Praia Verde, 13 de abril de 2041
Amanhã, o bisavô dos vossos filhos vos visitará. Deixarei convosco alguns documentos garimpados na casa velha. Como a “pérola” que junto a esta cartinha, um desenho feito por um aluno, numa aula da Idade Média. Poderia escrever “numa aula chata da Idade Média”, mas incorreria em redundância.
No tempo em que se “dava aula”, imperava a “chatice”. Para amenizar a imbecilidade travestida de pedagogia, os deschateadores de aula cantavam, dançavam, contribuindo para o “salve-se quem puder” egoísta da disputa de uma vaga na universidade.
“Os homens inteligentes querem aprender; os outros querem ensinar”, disse-nos Anton Tchekhov. Os auleiros chateadores ou deschateadores insistiam na peregrina convicção de que é possível dar de beber a um cavalo, quando ele não tem sede. A ética da alteridade estava ausente nos lugares onde, pavlovianamente, se “chateava” alunos.
Referindo-se às escolas do século XIX – que, mais data show menos pau de giz, em nada diferiam das escolas deschateadores do século XXI – Stefan Zweig definiu a escola da aula do seguinte modo: é um exército formidável de guardiães disfarçados de professores, que, com meios artificiais e antinaturais se organiza para roubar à juventude a possibilidade de ser.
Mas, não há regra sem exceção…
Quando, nos idos de vinte, eu criticava a prática da aula, não “jogava fora o menino com a água do banho”. Toda a inovação radicava na tradição. Nem tudo o que o instrucionismo engendrou deveria ser desperdiçado. Aliás, nos idos de setenta, com os nossos alunos, ainda em adaptação a práticas do paradigma da aprendizagem, criamos um dispositivo a que demos o nome de “aula direta”. Contraditório? Nem por isso…
“Quando o discípulo está pronto, o mestre aparece”. Este velho e conhecido ditado hindu é recomendação de estar permanentemente receptivos à verdade. O autoconhecimento nos conduz ao reconhecimento do outro e à descoberta dos nossos dons, potenciais talentos. O seu desenvolvimento depende do encontro do discípulo com o mestre.
Esse encontro é evidente, por exemplo, na expressão musical, físico-motora, dramática, plástica. A busca de um mestre é inevitável. Na Ponte, a partir do “Preciso de Ajuda”, ou de uma conversa informal, crianças se organizavam para um encontro com um tutor especialista da área de interesse. Projetos de vida tomavam forma a partir de perguntas: O que queres ser? O que precisas aprender? O que vamos fazer? Com quem? Onde? Quando? Com o quê?… Por quê?
Os roteiros de estudo contemplavam as respostas a essas e outras perguntas, continham objetivos curriculares, encaminhavam para a pesquisa e para “aulas diretas”.
Quando professores me perguntavam como poderiam desenvolver autonomia nos seus alunos – o dito “protagonismo juvenil” – eu respondia:
“Ensinando! Dando aula! Para deixar de dar aula.”
Os professores eram competentes a “dar aula”. Eu deveria valorizar essa competência. Os professores sentiam-se seguros “dando aula” e eu reforçava esse sentimento de segurança.
Em meados de abril de 2021, voltei a “dar aula”, uma aula dialogada. Por que o fiz? Para assegurar que acontecesse, não só mudança, mas inovação. Durante algum tempo, pratiquei “homeopatia pedagógica”. Maieuticamente, na gramática do “um-para-um”, em equipe, reaprendi a deixar de “dar aula”.
Consumada a transição para o paradigma da aprendizagem, penetramos o da comunicação. Identificando necessidades comuns, eu “casamentava” educadores, agregando-os em círculos de vizinhança e de confiança.
Estava aberto o caminho da inovação.
Por: José Pacheco
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