Ponte da Lima, 20 de abril de 2041
O Pedro, quando finalista de um curso de formação de professores, era ator de um drama real. Tomara consciência de que, ressalvado o diploma que lhe dava acesso ao exercício de uma profissão, tinha desperdiçado quatro preciosos anos a copiar powerpoint e a memorizar inutilidades que, depois de debitadas num exame, rapidamente esqueceu:
“Chegou o fim da tormenta de quatro anos, em especial o último. Incompreensível estupidificação! Serão os professores capazes de abandonar as cartilhas e sebentas, um palavreado com sabor a bolor? Quantas escolas inovadoras, quantos professores inovadores tivemos oportunidade de conhecer? Dei comigo a pensar “por que teremos nós de copiar powerpoint, quando poderíamos simplesmente ler os livros dos autores neles citados? Certamente, essa leitura nos diria mais da teoria do que as aulas papagueadas.”
O Pedro admitia contenções e fraquezas:
“E a autocensura que me impus! Por vezes, tive de me baixar ao nível rasteiro adoptado pela maioria dos meus colegas, com o único objetivo de chegar ao fim do curso. Se não fosse assim, não poderia estar a escrever estas linhas. Da nota final dependia a minha sobrevivência. Malditas notas, que nem sequer são musicais!”
O Pedro elegeu-me como confidente. Não me atreverei a contar-vos tudo o que ele me disse. Apenas acrescentarei que, ao longo do exercício da profissão, deparou com lideranças tóxicas semelhantes àquelas que a Mercedes descreveu. Ora era um diretor a impedir a comunicação entre professores e famílias de alunos, ora era um ministério a impor práticas contraditórias com o projeto das escolas. Ora era um diretor que não permitia o acesso dos seus professores ao conteúdo do projeto da escola, ora era um ministério ou secretaria a impor a todas as escolas um projeto chapa zero, para todas igual.
Pedro arrostou com as pérfidas investidas de supervisores, de inspetores, de diretores, de funcionários de secretaria de educação, de ministeriais burocratas e até de colegas de profissão. Se desesperou, se cansou, exauriu o seu capital de esperança e se perdeu nas insidiosas encruzilhadas da vida de professor.
Raros foram aqueles que se salvaram do naufrágio dos sonhos. O André foi uma das exceções. Conheceu as agruras de ser vice-diretor de um agrupamento de escolas. Sobreviveu no exercício de uma ética de coletividade. Precisou de chegar aos quarenta e cinco anos de idade para, plenamente, se realizar como um excelente professor de matemática, que sempre foi.
Entre a desilusão da (de)formação e a angústia da proximidade do exercício de uma profissão para que não fora minimamente preparado, o Pedro apercebeu-se de outra dura realidade: a de que os seus colegas de curso (futuros professores) eram considerados pelos seus mestres como potenciais trapaceiros. Vejamos.
“Quem cola nos testes, quem se comporta como puxa-saco dos docentes, quem faz xerox de trabalhos escritos por alunos de anos anteriores, saca uma melhor média de curso. Num destes dias, passei por uma sala. Vi alunos serem obrigados a prostrar os seus pertences no chão, debaixo do quadro. Ao que parece, porque “poderiam colar no teste que se iria realizar”. Serão estes alunos, considerados desonestos pelos seus professores, os professores do amanhã? Vão ceder à tentação de rastejar, para sobreviver?”
Para meu infortúnio, rendi-me a outras causas que não estas. Concluí o meu curso com uma média baixa e a consciência tranquila, num equilíbrio ténue entre o desconforto da perspectiva de meses de desemprego e a satisfação de ter ido mais além.”
Por: José Pacheco
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