Itapuã, 24 de abril de 2041
Em janeiro de 2015 o secretário de educação levou-me até à penitenciária da Papuda. No final da visita à ala dos jovens infratores, pediu-me que elaborasse um projeto educacional para intervenção numa unidade de internação.
Agradeci a confiança em mim depositada, mas eu estava mais interessado em desenvolver um projeto que evitasse a necessidade de haver prisões, unidades de internação, jovens prisioneiros. Eu trabalhava a montante do sistema, para que não se tivesse de castigar e prender jovens a jusante. Propus ao secretário desenvolver um projeto de comunidade de aprendizagem, que salvasse vidas. O Júlio aceitou.
Júlio Gregório foi um excelente secretário de educação. Compreendeu a necessidade e a intenção, que me animava e lhe expus. Apoiou a iniciativa de algumas professoras do CEF04 do Paranoá, de que vos falei na cartinha anterior, de criar uma comunidade de aprendizagem no Paranoá Parque. Após várias reuniões, enviei à secretaria referenciais de projeto de comunidade, de regimento interno e uma minuta de termo de autonomia.
Numa ata de reunião realizada na DRE do Paranoá estão descritos os acordos de instalação da designada “Escola-Classe/Comunidade de Aprendizagem do Paranoá” Também foram estabelecidas condições de assessoria – o meu trabalho e o da Cláudia decorreria em regime de voluntariado, não remunerado.
No mês seguinte, graciosamente, a arquiteta Cláudia elaborou um estudo de adaptação do edifício às suas novas funções. A Ecohabitare contratou e pagou uma funcionária de apoio às ações de formação por nós realizadas, em que participaram centenas de professores do Distrito Federal. Duas, três vezes por mês, fomos até à SEEDF. Pacientemente, escutamos e esclarecemos burocratas. Dialogamos com engenheiros e arquitetos, que pretendiam instalar salas de aula no edifício da CAP. Realizamos inúmeros encontros de trabalho. Viajamos no nosso carro, gasolina paga pela Ecohabitare. Despendemos centenas de horas num trabalho insano. Gastamos centenas de milhar de reais nesse projeto. Não recebemos um real sequer.
Entretanto, a Ecohabitare elaborara um projeto de adaptação de instalações de um centro de eventos e fizera proposta de realização de mais um processo de formação para dotar os professores para o trabalho em comunidade de aprendizagem. Até que “alguém” – ainda hoje, não sabemos se seria homem, mulher, ou um grupo organizado – iniciou o seu trabalho sujo. A Ecohabitare deixou de ser informada da realização de reuniões de trabalho em que deveria participar.
Houve um tempo na minha vida de professor em que precisei de romancear o drama educacional, para não acabar no divã de um psiquiatra. Se regressasse às metáforas com que presenteei, falaria assim:
Um pássaro generoso ansiava por novos modos de viver e de voar. Contrariavam os porquenãos, pássaros com tendência para beber silêncios no degredo dos ninhos. Precariamente isolado na sua gaiola dourada, quase a soçobrar perante a perfídia dos porquenãos, temia que algum pássaro porquenim espreitasse e fosse contar pecadilhos a um qualquer “superior”. As paredes tinham ouvidos…
Aquela secretaria dispunha de um bom secretário e de excelentes funcionários. Mas, havia por lá alguns “alguéns” de baixa estatura moral. E o secretário Júlio terminou o seu mandato sem que tivesse conseguido consolidar um projeto, que colocaria a educação do Distrito Federal no século XXI. O negacionismo pedagógico fez sentir os seus efeitos, até à chegada do novo secretário.
São tantas as coisas que tenho para vos contar!
Por: José Pacheco
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