Colos, 14 de maio de 2041
“Quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, qual será a causa desta corrupção? Ou é porque os pregadores não pregam a verdadeira doutrina; ou porque os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, a não querem receber”. No século XVII, Vieira desistira de convencer os homens. Dirigiu os seus sermões para seres mais sensíveis: os peixes, seres alheios às renúncias dos homens. Aos peixes, discretas testemunhas da corrupção de costumes praticada por aqueles que pela terra iam cumprindo os seus dias. E que das injustiças não traduziam consciência. Escutemos Vieira, como se estivéssemos em 2021:
“Ou é porque os pregadores dizem uma cousa e fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que dizem”.
Poderia acrescentar que talvez fosse porque andavam tão distraídos na lida de ganhar a vida, que a perdiam. Ou por pressentirem que, da corajosa denúncia da corrupção, poderia advir nefasta consequência para si e para os seus.
Assistíamos ao uso e ao abuso do poder. O património comum era usado em favor de uns poucos, em atos que quedavam impunes, não sendo raro que os seus suspeitos autores fossem considerados pessoas de bem, a quem eram atribuídas honrarias. Convivíamos com um descarado tráfico de influências, víamos o erário púbico ser defenestrado, efetuadas transações de bens à margem dos procedimentos legais. Os conceitos de respeito pela pessoa humana e de justiça foram banalizados.
Bento XVI dizia que os cristãos não deveriam respeitar leis injustas. Urgia que se agisse, se assumisse resiliência. Numa época de injustiças, como aquela que se vivia nos idos de vinte, urgia que fizéssemos a nossa parte, que se fizesse luz sobre os males de que o mundo padecia, para que fossem abertos rasgões de luz na cortina de escuridão que sobre ele caíra e sob a qual prosperavam os tiranos. Urgia debelar o medo, esse disfarce usado quando se faz o que sempre se fez, como se nada de indigno tivesse acontecido.
Diz-nos o dicionário que valor (do latim valôre) é qualidade de quem pratica atos extraordinários e, eticamente, um princípio passível de orientar a ação humana. Se assim era, conviria seguir o preceito do Dalai Lama:“Precisamos ensinar, do jardim de infância até a faculdade, que a moralidade é o caminho da felicidade. O sistema educacional moderno presta somente atenção no desenvolvimento do cérebro e não o desenvolvimento moral”.
Se a escola não era o primeiro lugar para se educar o indivíduo, também não deveria ser o primeiro lugar de o deseducar. Quando, no quadro de uma reorganização curricular, se instituiu “uma hora semanal de educação para a cidadania”, eu questionei os autores da proposta: “Por que não deveriam ser as restantes horas de “educação na cidadania”? Quem nunca vira uma criança furar fila? Quem nunca vira a família dessa criança a jogar lixo na rua? Até que ponto a escola poderia apenas promover uma inútil acumulação cognitiva, demitindo-se da função de educar? Por essa altura, Leonardo Boff escreveu que a “crise” não era cíclica. E que uma nova ordem mundial seria necessária, um novo modo de habitar a Terra. Colos é uma freguesia do município de Odemira, a primeira povoação portuguesa a que se atribuiu o local de nascimento do navegador Cristóvão Colombo. A convite do amigo Pedro, a visitei, no mês de maio de há vinte anos. O Pedro foi um dos raros diretores de agrupamento de escolas que ousou enfrentar a “crise” e cocriar uma nova construção social de aprendizagem, onde se aprendeu “um novo modo de habitar a Terra”. |
Por: José Pacheco
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