Moura, 21 de maio de 2041
Há vinte anos, por esta altura, a Anabela e o João levaram-me até junto da barragem do Alqueva, para conversar com professores e, depois, passear de barco. O passeio de barco ficou para as calendas. A hora de partir para Aljezur era chegada, quando no Alqueva ia terminando a conversa. Melhor dizendo, quase um monólogo. Estava perante excelentes educadores, desejosos de encontrar caminhos de mudança, mas que nada perguntavam.
Os professores que não perguntavam eram excelentes profissionais, mas de um profissionalismo em que as respostas vinham antes das perguntas – eles ainda davam aula. Velhos arquétipos se eternizavam. O padrão, o modelo, o paradigma incrustado no inconsciente coletivo tendia a ser compartilhado por toda a humanidade (professores incluídos).
Para Platão, arquétipo significava a ideia pura, o modelo ideal da realidade sensível. O termo, que deriva do grego, designa um conceito reinterpretado por filósofos como Locke, Berkeley, Malebranche. Jung interpretava-o como símbolo herdado de um passado longínquo, que condicionava o inconsciente coletivo. Isso mesmo: um condicionamento.
Quando conseguia suscitar o diálogo, frequentemente, escutava a expressão “acho que”. Eu solicitava explicitação, pois o leigo, a “opinião pública” teria direito a usar de senso comum e “achismos”. Porém, um educador, um profissional do desenvolvimento humano não poderia “achar”. A sua formação o obrigava a fundamentar as afirmações. Quaisquer que fossem as respostas, deveriam manifestar bom senso e assentar em conhecimentos das ciências da educação.
Enquanto durou o meu périplo português de 2021, do outro lado do mar chegavam notícias do descalabro pandêmico-educacional, a perenização de um paradigma educacional caduco, tradução da triste sina, que Oliveira Martins descrevera em “O Brasil e as colónias portuguesas”. Referia-se à transferência da família real para o Rio de Janeiro como a origem dos males que afetavam o Brasil.
Duzentos anos após a retirada da família real, cingir-me-ei a factos que a história, inclemente, fazia questão de recuperar do baú das velharias. Em pleno século XIX, no jornal “O Repórter”, Martins zurzia as medidas de política educacional do regime do medo:
“Tudo isto é uma miséria, tudo isto está pedindo ma reverendíssima reforma. A organização atual dos nossos estudos está abaixo da crítica. Encasquetar na memória rosários de abstrações incompreendidas é o acume da insensatez. Embrutecemos os alunos com um ensino que é uma hipótese apenas, no fundo da qual está uma grande ignorância de mãos dadas com bastante especulação”.
Em 2021, era surpreendente a atualidade da prosa de 1888. As estatísticas produzidas no lugar onde Cabral chegou davam conta de défices acentuados na alfabetização, de elevadíssimas taxas de abandono escolar e de índices muito baixos de cidadãos que conseguiam completar o Ensino Médio.
Nas terras que Cabral achou, os jornais espalhavam a notícia de alunos analfabetos na oitava série, de abandono precoce dos estudos, após a quarta série, do descalabro do ensino médio. Os políticos agiam a reboque dos escândalos que a comunicação social prodigamente propalava, como se nada houvesse de bom na educação, que pudesse constituir notícia. As decisões dos políticos e dos “especialistas” visavam atenuar efeitos sem intervir nas causas. Eram inúteis exercícios de cosmética legislativa, que um sistema assente em viciosas rotinas se encarregava de perverter.
E os professores permaneciam apáticos. Nada perguntavam.
Por: José Pacheco
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