Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DXLIV)

Senhora Aparecida, 28 de maio de 2041

Escreveu o Ademar que “é nas escolas (e nas famílias) que se decide, diariamente, o futuro da humanidade”. Perante esta evidência, sobressaltei-me com o desabafo de um jovem professor:

“A minha escola é uma prostituta!”

“Porque dizes isso?” – retorqui. 

“Porque todo mundo a usa, todos se servem dela e ninguém quer saber dela”. 

“Serão as escolas merecedoras de tão violento epíteto?” – insisti. 

Imaginemos que um professor se atreve a sugerir aos colegas o gasto de um tempinho suplementar para procurar solução para um problema. Logo a maioria responde que tem mais que fazer, que está na hora de ir buscar os filhos ao colégio. Safam-se alguns com o pretexto de terem de completar o magro salário. Rematam os mais cínicos que, se ao professor proponente sobra tempo, vá para missionário, que não lhe há-de faltar vocação. Não se querem incomodar. Marcam o ponto e vão à sua vidinha!”  

Uma profissão marcada pelo individualismo impedia os professores de assumir, individualmente, responsabilidade pelos atos do seu coletivo. Mas, apesar das duras evidências, eu continuava a acreditar nas pessoas dos professores. Poderiam chamar-me ingénuo, que não me importava. Que nos valessem aqueles a quem a vida ainda não roubara os sonhos e que, apesar dos pesares, ainda resistiam nas escolas. Através deles, era legítimo aspirar a um tempo em que as escolas não pudessem ser comparadas a prostitutas.

Neste dia, mas há 115 anos, se inaugurava uma ditadura das mais longas da história humana. A escola herdada da ditadura iria deixar marcas indeléveis de analfabetismo linguístico, político, social. Coube à Ponte e a outras escolas dos primeiros tempos de democracia reduzir os prejuízos. 

Em meados dos anos oitenta, o projeto Fazer a Ponte se expandiu. Ao núcleo inicial, composto de pais e de um professor, se juntaram a Maria José e a Maria Luísa. Estava constituída a primeira equipe de projeto e ela precisava de espaços de trabalho… em equipe. Uma escola aberta (“open school”, como então se chamava) foi construída.

Para levar os filhos até à escola P3 da Ponte, onde a Sarai e o Leonardo aprenderam tudo o que um jovem precisava aprender, mais a aprendizagem da convivencialidade, o amigo Domingos percorria mais de cem quilômetros por dia. 

Em 2021, o Domingos a ela voltou, na minha companhia. A “escola de área aberta”, que fora “incubadora” de novas práticas, estava votada ao abandono, degradada. Era preciso reavivar a memória da equipe de projeto. Parecia estar esquecida de que, em 2012, tinha contrariado a decisão soberana do Conselho de Pais, “a fonte principal de legitimação do Projeto e o órgão de apelo para a resolução dos problemas que não encontrem solução nos demais patamares de decisão da Escola” (cf. texto do Projeto Educativo da Ponte). A escola de área aberta ficou deserta. O bairro da Ponte (e a Vila das Aves) ficaram privadas da sua escola. Ilegalmente, ela fora levada para outro local. 

Disso vos falarei em próximas cartas e vos explicarei o que foram as “escolas de área aberta – tipo p3”. Em 1963, no âmbito da OCDE, foi iniciado um “projeto de ajuda aos países mediterrânicos”. Com o objetivo de desenvolver a escolaridade obrigatória, propunha-se apoiar países como a Grécia, a Espanha e Portugal. Nesse âmbito, um dos problemas foi o de harmonizar a concepção das construções escolares com as concepções de escola e as orientações no campo da pedagogia. 

Nos anos oitenta, no terreno da antiga “escola primária” da Ponte, onde o projeto foi gestado, uma “escola de área aberta” foi construída, para… “Fazer a Ponte”.

 

Por: José Pacheco

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