Pampilhosa da Serra, 9 de junho de 2041
Queridos netos, quando o corpo já dava sinais de cansaço, quando já quase decidia suster a contínua viagem, eis que novos focos de mudança despontavam.
No junho de há vinte anos, fui a Portugal, naquele que foi o último périplo de prospecção de “não-lugares” (recordais-vos da definição de “utopia”?), onde uma nova educação surgia. Quando já pensava que, em Portugal, o torpor instrucionista se apossara definitivamente dos educadores, o entusiasmo de diretores de agrupamento de escolas, de vereadores da educação, de pais e professores me surpreendeu. Era algo inédito. Restabeleci o diálogo, reuni energias dispersas, num derradeiro fôlego. E me deixei atrair pelo ímpeto de novos e inusitados projetos.
Em cinco “não-lugares” concentrei esforços. A norte, uma Ponte revisitada era referência. E a “escola de segunda oportunidade” da Daniela foi locus de prodígios. No sul, se estabelecia uma rede de escolas. E eu punha fé nos ideais de um filho professor. Na região centro, no interior mais interior do Portugal profundo, entre serras e rios, assumi um compromisso com uma comunidade. E até pensei em ficar.
No périplo do mês de junho de há vinte anos, acompanhei a Alexandra, a Raquel e a Cristina no esboçar de um projeto. Foi aquele em que mais investi, dado ter sido o mais confinante com os meus princípios. Dele vos falarei em próximas cartinhas. Por agora, vos deixo com palavras de um filho dessa terra.
Em 1912, José Caetano escrevia:
“Na minha última digressão à minha terra, observei algumas coisas que bastante agradaram ao meu coração. O que mais me encheu de júbilo foi o interesse que notei pela instrução. É preciso instruir e educar, para que o homem saiba o que quer ser, saiba ser livre e saiba ser cidadão”.
Sábias e percursoras palavras, mais adiante tornadas realidade. No mês de junho de há vinte anos, a aldeia dos Padrões acolheu o encontro “O Interior da Educação no Centro da Natureza”. Um jornalista assim o descrevia:
“Num registo informal, sereno e em comunhão com a natureza, a sessão denominada “Chão de escola com pólis” reuniu autarcas da região, que intervêm na área educação, professores e representantes do Agrupamento de Escolas e da Associação de Pais, que conferenciaram com o professor José Pacheco e com o secretário de Estado Adjunto e da Educação, João Costa. Os desafios que a interioridade coloca à educação foram o tema dominante. Para Jorge Custódio, vice-presidente da Câmara de Pampilhosa da Serra, é urgente “pensar o que é que deverá ser o ensino nestes territórios” e se “este sistema de ensino se adequa a esta realidade de interior”.
Esperançoso, mas prevenido, cuidei de colocar os novos projetos ao abrigo de perigos que, em 2001, descrevera numas cartinhas:
“As gaivotas inventaram outros modos de viver e de voar. Contrariavam os porquenãos, pássaros com tendência para beber silêncios no degredo dos ninhos. Aves de mau agoiro ensaiavam papagaios, que são, como se sabe, aves que repetem disparates sem cuidarem de saber dos efeitos. Numa das manhãs que sucederam à medonha invasão das negrelas, calhou de uma gaivota pousar sobre a pedra da idade da pedra, que não era igual a outras pedras, uma pedra detentora de inefáveis dons, de uma clara magia. Sempre que uma gaivota nela pousava e cerrava os olhos, subia da pedra da idade da pedra um suave perfume. E eflúvias meditações se produziam.
Do recanto mais íntimo de um lugar onde os homens supunham não haver lugar para a imaginação…”
E por aí seguia uma corrente de metáforas, fraternos avisos, em tempos de desfeita euforia.
Por: José Pacheco
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