Quinta do Conde, 16 de junho de 2041
Vai para quarenta anos, no site de um sindicato, li mensagens enviadas por “professores”, com acusações de “fraude” num concurso para recrutamento de professores. Netos queridos, as mensagens eram acompanhadas de expressões que, por serem tão sórdidas, me inibo de as transcrever.
Considero que o sindicato cumpriu o seu dever de dar voz a todos, porque, felizmente, o tempo da censura já longe ia. Mas, em democracia, não valia tudo!
Conhecia melhor do que ninguém a escola a quem eram imputadas as supostas “ilegalidades”. Sabia que o concurso decorrera dentro da legalidade. Não poderia ficar indiferente a calúnias lançadas por quem, provavelmente, se via ao espelho e fazia juízos de valor sobre os outros, a partir da sua escala de valores.
Das duas, uma: ou se instaurava um inquérito à escola, ou a quem a caluniava. A escola optou por não proceder judicialmente contra os “anónimos” autores das mensagens. Mas, deveria ser tempo de não ficarem impunes criaturas de determinada estirpe.
Remeter-me-ei à questão essencial: as escolas deveriam, ou não, escolher os seus professores?
Ao cabo de trinta aos, a Escola da Ponte conquistara o direito de os escolher, em concurso universal e segundo critérios claros. Recordo-me de, por essa altura, ter sido interpelado por um dirigente sindical, durante uma palestra:
“Zé Pacheco, tu não achas que a Ponte criou um grave precedente?”
Eu entendi a intenção, mas fiz-me desentendido:
“Qual precedente?”
Estimulado por numerosa claque, o sindicalista insistiu:
“Isso de escolher os professores vai dar azo a compadrios e amiguismos! A favoritismo! A desonestidade!”
Visivelmente tomado por intensa sindical emoção, o porta-voz da claque gritou as últimas frases, e foi ovacionado. Esperei que a turba se acalmasse. E perguntei:
“Disseste desonestidade? Consideras que há professores desonestos?”
O líder da claque titubeou:
“Não era isso que eu queria dizer….”
“Mas disseste”.
E mais o Mário não disse. A claque emudeceu e se retirou, rezando imprecações, em surdina.
Em nome do “direito ao emprego”, os professores da Ponte foram obrigados a aturar auleiros acomodados que, à sombra de um “contrato administrativo”, prejudicaram o desenvolvimento do projeto.
“Ó colega, faz-se concurso, para se ficar mais perto de casa, não é?”
Eu emitia um lacónico comentário e ficava atento às práticas, verificando que, dentro da racionalidade dos concursos, se negava aos professores a escolha de um projeto, no qual se sentissem realizados como pessoas e como profissionais.
Muitos dos concurseiros apenas buscavam um emprego, ficar mais perto de casa (o que era legítimo) ser funcionário público.
Instalados em contratos definitivos, se deixavam “funcionarizar”. E não foram raras as vezes em o carácter vitalício das colocações agiu como óbice à mudança. Vi professores “vitalícios” destruindo trabalho construído ao longo de muitos anos.
A centralização dos concursos nas estruturas ministeriais pressupunha desconfiança em relação à capacidade de escolha de escolas e professores. A “funcionarização” dos docentes “com nomeação definitiva” era causa de desqualificação profissional, origem da extinção de projetos, contributo para a manutenção de um sistema iníquo.
A experiência da “contratação sem intermediários” demonstrou vantagens. A autonomia que a Ponte assumiu, em 2004, dispensou a intervenção da burocracia ministerial. Somente aderia ao “Fazer a Ponte” quem se comprometesse cumpri-lo. Ali, não havia livro de ponto, nem horários de “funcionário”.
Por: José Pacheco
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