Estrela, 28 de junho de 2041
No mês de junho de há vinte anos, a passagem da Janaína, da Fabiana e da Luciane por Portugal ficou gravada de modo indelével na memória de quantos com elas conviveram. Entre o fim da quarentena e a hora de partir, entre momentos de trabalho e de alegre convívio, se confirmou que o Oceano Atlântico da Educação não existe.
O Manel foi, como sempre fora, generoso e incansável. Cuidou das nossas amigas até ao último minuto. Levou-as a fazer o despiste da Covid, acompanhou-as ao aeroporto. Luciane partiu de madrugada, A Fabiana e Janaína partiram no último voo da noite.
A Paula delas se despediu, no WhatsApp:
“Esperemos a próxima viagem seja ainda melhor do que a deste ano, sem estas questões e restrições pandémicas. Que consigam continuar a inspirar por onde quer que passem. Desejo-vos o melhor… um mundo cheio de criança”.
Enquanto isso, a incansável Marta preparava os últimos programas de rádio sobre o périplo de 2021. Educadores, autarcas e gestores se preparavam para o início de projetos, que iriam marcar o rumo da educação, no Brasil e em Portugal. Por toda a parte, surgiam sinais de uma educação humanizada.
Seria necessário introduzir algumas suliações num sistema colonizado pelo norte europeu e anglo-saxônico. A prioridade seria a de cuidar das pessoas, no reuso de fraternas tradições, começando por cuidar da pessoa do educador.
Nesse interim, ainda receba dolorosos depoimentos. A Virgínia desabafava:
“O ano passado foi muito ruim. Stress e tristeza por tudo o que estava vivendo nas escolas e com as crianças. O secretário só entende de tecnologia vazia, repressão à mão grande, podas de criatividades e por aí vai. Não aguento mais ver tanta falta de capacidade coordenando toda uma cidade”.
As leis falavam de “gestão democrática” e consagravam o direito das escolas à dignidade da autonomia. Contrariando a lei, uma secretária de educação pinochetiana incumbia um diretor de escola de destruir um dos melhores projetos de entre aqueles que, no Brasil, eu encontrara. Quase conseguiu os seus intentos, não fora a reação da comunidade.
Impunemente, à revelia da lei e da ciência, outro secretário de educação ordenava:
“Tem de ser feito igual em todas as escolas. Vocês não podem fazer diferente. E eu já disse que não gosto de trabalhos de grupo. Não autorizo!”
Lamentáveis manifestações de ignorância e autoritarismo ocorriam, sempre que professores ousavam mudar as suas práticas. Muitos tristes episódios colecionei, mas por estes me quedo, porque não pretendo generalizar e porque sei que havia secretários de educação competentes.
Seria necessário revogar regulamentações impeditivas do exercício pleno da autonomia pessoal e profissional. Como poderíamos aspirar a viver numa democracia se, nas escolas, a maioria das experiências de vida aconteciam em estruturas autocráticas, nas quais obedecer era muito mais aceito do que argumentar e construir consensos?
Urgia que o poder público apoiasse escolas inovadoras e criasse condições para romper com ditatoriais culturas. Quanto tempo mais os professores resistiriam, constrangidos entre um agir coerente com propostas de educadores iluminados e as manifestações de prepotência caraterísticas de ridículos tiranos?
Um plano decenal havia fracassado. A três anos do fim, o novo PNE iria ter o mesmo inglório destino. A incompetência de funcionários, os conluios políticos, as práticas populistas e corruptas, poderiam deitar a perder os denodados esforços de educadores conscientes. Até quando eles iriam hesitar entre Piaget e Pinochet?
Por: José Pacheco
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