Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DLXXVIII)

Alhandra, 2 de julho de 2041

Esta cartinha assemelha-se a uma overdose de citações. Outros o disseram e eu fui parasitando. Afinal, não seremos todos um pouco de cada encontro em que não estivemos distraídos? 

Disse o mestre Musil que ”uma utopia é uma possibilidade que pode efetivar-se no momento em que forem removidas as circunstâncias provisórias que obstam à sua realização. Tal como o Rubem utópico, também “quero uma escola em que o saber vá nascendo das perguntas que o corpo faz. Anseio por uma escola em que o ponto de referência não seja o programa a ser cumprido, mas o inteiro corpo da criança que vive, admira, se encanta, se espanta, pergunta, enfia o dedo, prova com a boca, erra, se machuca, brinca. Uma escola que seja iluminada pelo brilho dos inícios. 

Persigo a utopia que me diz ser possível que aquilo a que chamamos “Escola” possa sair de um longo, muito longo Inverno. Chamai-me utópico, que não serei o único e tomarei o epíteto como elogio. Tão romântico como o Rubem, o sonhador Laerte, “romântico conspirador“, também resistia, não desistia, insistindo na prática de uma alquimia libertadora de afetos. 

No belo exercício de sensibilidade que dá pelo nome de “Tudo sobre a minha mãe”, um dos personagens assegura sermos “tão mais autênticos quanto mais nos parecermos com o que sonhamos”. O quotidiano de um “romântico da educação” (RC) poderia ser comparado a jogos de computador. Nesses absorventes jogos, o “herói” ultrapassava obstáculos e acumulava pontos, que se transformam em “vidas” (era mesmo assim na linguagem virtual), prolongando o jogo até ao limite que a destreza dos polegares permitia. 

Quando o jogo parecia irremediavelmente perdido, o RC atingia a pontuação que lhe conferia uma nova “vida”. Porém, alguns RC entravam no jogo em desvantagem, dado sofrerem sozinhos o desgaste imposto pelo exercício da profissão em contextos adversos. Estes eram os “românticos da educação solitários”. 

A dureza das “aulas”, o stress provocado pela “indisciplina”, o “mal-estar docente” que se instalava e introduzia penalizações no jogo, debilitava o RC solitário e conduzia-o ao limiar de um fatal desenlace. O monitor avisava: energia disponível a 40%… energia a 20%… 5%… “game over”. 

No decorrer do jogo, o RC. solitário poderia conquistar duas ou três precárias “vidas”, mas soçobrava face a obstáculos que uma drástica quebra de energia já não lhe permitia ultrapassar. Raramente conseguia ascender aos níveis virtuais mais elevados. Quedava-se por níveis discretos e protetores, não arriscava. Nem qualquer outro jogador solitário prudente o faria, tal o poder dos “génios do mal” que beneficiavam da iniciativa do jogo e dispunham de inesgotáveis manhas e armadilhas. O RC que começava o jogo sozinho, desistia de jogar.

Os “românticos da educação solidários” participavam no mesmo jogo dso RC solitários. Mas, se não conseguissem alterar as regras, contrariavam as lógicas e pervertiam desfechos. Quando o “monstro-burocracia” estava prestes a abocanhar um RC solidário, surgia um outro RC solidário, que enfrentava e distraía o monstro. O RC recuperava “energia” e regressa à liça, num segundo fôlego, que surpreendia e desgastava o opositor. 

A cada investida de monstros e génios do mal, os teimosos RE solidários reagiam em bloco, quebrando-lhes o ímpeto, repelindo com êxito todos os ataques. Por mais maciços e violentos que fossem os assaltos, o jogo terminava, inexoravelmente, como numa telenovela: os bons ganhavam aos maus. Os RC solidários atingiam o derradeiro nível, inacessível aos “bichinhos glutões”. 

 

Por: José Pacheco

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