Itamambuca, 10 de julho de 2041
Aqui vos deixo um convite à reflexão, após uma ação urgente. Porque, no princípio, era a aprendizagem. Depois, inventaram a Escola, a instituição que Férrière chamou “invenção do diabo”.
Em 1928, aquele a quem Lourenço Filho chamou de incansável e mais fascinante filósofo da educação renovada publicou a seguinte história:
“Um belo dia, deu o diabo uma saltada à terra e verificou, não sem despeito, que ainda cá se encontravam homens que acreditassem no bem. Como não falta a Belzebu um fino espírito de observação, pouco tardou em se aperceber que essas criaturas apresentavam caracteres comuns: eram boas e, por isso, acreditavam no bem; eram felizes e, por consequência, boas; viviam tranquilas e, por isso, eram felizes. O diabo concluiu, do seu ponto de vista, que as coisas não iam bem e que se tornava necessário modificar isto.
E disse consigo: A infância é o porvir da raça; comecemos, pois, pela infância. E apresentou-se perante os homens como enviado de Deus, como reformador da sociedade.
Deus – disse Belzebu – exige a mortificação da carne, e é mister começar desde criança. A alegria é pecado. Rir é uma blasfêmia. As crianças não devem conhecer alegrias nem risos. O amor de mãe é um perigo: afemina a alma dum rapaz; é preciso separar mãe e filho, para que coisa alguma se oponha à sua comunhão com Deus. Torna-se necessário que a juventude saiba que a vida é esforço. Façam-na trabalhar; encham-na de aborrecimento. Que seja banido tudo quanto possa despertar-lhe interesse: só é proveitoso o trabalho desinteressado. Se nele se mistura prazer, está tudo perdido!
Eis o que disse o diabo. A multidão, beijando a terra, exclamou: Queremos nos salvar! Que devemos fazer?
Criem a escola.’
Publiquei dois dicionários. Um deles sobre absurdos da educação. Outro sobre utopias. E, como não há dois sem três, fiz um dicionário de valores. Diz-nos o dicionário que valor (do latim valôre) é qualidade de quem pratica atos extraordinários e, eticamente, um princípio passível de orientar a ação humana. Se assim for, convirá seguir o preceito do Dalai Lama:
“Precisamos ensinar, do jardim de infância até a faculdade, que a moralidade é o caminho da felicidade. O sistema educacional moderno presta somente atenção no desenvolvimento do cérebro e não o desenvolvimento moral.”
A escola não é o primeiro lugar para se educar o indivíduo, também não deverá ser o primeiro lugar de o deseducar, mas um lugar e tempo de aprendizagem de valores. Quando, no quadro de uma reorganização curricular, se instituiu “uma hora semanal de educação para a cidadania”, eu questionei os autores da proposta: por que razão não deveriam ser as restantes horas de “educação na cidadania”?
Há cerca de dois anos, os amigos Almerindo, David, Fátima, Ana e outros insignes educadores portugueses subscreveram uma petição, da qual partilho alguns excertos:
“Apesar dos princípios consagrados na Lei de Bases, assistimos a uma crescente desvalorização da cultura democrática nas escolas e à anulação da participação coletiva dos professores, dos alunos e da comunidade educativa. Verifica-se, pelo contrário, uma tendência para a sobrevalorização da figura do(a) diretor(a) de escola, sendo subalternizado o papel de todos os outros órgãos e desencorajada a participação de outros elementos da comunidade escolar. Esta situação é reveladora da erosão da identidade de cada escola quando esmagada pelo peso da estrutura de direção unipessoal.
Este sinal de incômodo foi, também, um sinal de alerta, que parece não ter sido escutado por quem de direito.
Por: José Pacheco
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