Na margem do Geba, em 29 de agosto de 2041

Era uma vez, um diretor que ambicionava dar um tablet a cada aluno. E foi notícia de relevo. Dizia que “não parava enquanto não conseguisse ter um tablet por aluno”.

“Pugno por que, em dois anos, não haja manual em papel a carregar as mochilas dos meninos”.
E fazia questão de justificar:

“O manual vai estar sempre na biblioteca, mas o meu grande objetivo é que cada criança tenha um tablet”. Posso ficar feliz, se começarmos com os inícios de ciclos: primeiros, quintos, sétimos e décimos anos. Todos têm de ter um tablet. Também é muito importante, nas salas de aula, não mandar embora os quadros à antiga”.

Não duvidava das boas intenções do diretor. Querer libertar os jovens do carregar mochilas era uma nobre intenção. Mas, não era válida a justificação.
Era irrelevante a substituição do quadro-negro pela lousa digital. Era inútil equipar salas de aula com recursos informáticos, ou dotar cada aluno com um tablet, porque muitas pesquisas, apesar de não serem totalmente conclusivas, concluíam que essas medidas pouco ou mesmo nada alteravam o rendimento acadêmico.

Presumir que o desejo desse diretor pudesse constituir-se em paliativo de um modelo escolar cartesianamente segmentado em primeiros, quintos, sétimos e décimos anos, seria pura ingenuidade. Não seria medida suficiente “mandar embora os quadros à antiga”, se os antigos rituais se mantivessem. Numa sala de aula, com ou sem lousa digital, pouco, ou mesmo nada, se aprenderia.

O nosso diretor exclamava, com orgulho, na presunção de que sumários digitais, ou o controle digital de presenças, pudessem ser fatores de melhoria da ensinagem:

“Fomos das primeiras escolas a ter o cartão, a ter os sumários digitais. As faltas vão logo para a secretaria”.

À luz da produção científica no campo da educação, era descabido manter a expressão “sala de aula” no discurso pedagógico (e respetivos sumários). Mas, sigamos o raciocínio de um diretor, que estava “a pôr em prática mais um projeto, o das “salas do futuro”:

“Os tablets têm um software que se aplica a matemática, português e estudo do meio e são essas disciplinas que podem ser trabalhadas com este suporte digital. Os alunos têm de responder às perguntas, consoante o ano e a disciplina em que estão. Em forma de jogo. Depois veem se acertam ou não. Há que tornar o ensino divertido!”

Certamente imaginaria que os docentes com “formação específica, iriam passar por essas salas, com os alunos, pelo menos uma vez por semana”, para congelar aulas em computadores, – do restrito currículo de matemática, português e estudo do meio, claro! –, que os alunos, skinerianamente, iriam consumir, convertendo a escola num casino, onde os jogadores (leia-se: alunos) se divertiriam.

O diretor surpreendia até o mais sábio pedagogo, quando pretendia justificar outra decisão:

“Todos os meus alunos entram às 08h25. Ninguém sai depois das 17h00. Quero que tenham pelo menos duas tardes livres. E quem é que aprende matemática à tarde? Ou português?“

Alguma vez o diretor se teria perguntado por que razão (científica) todos os alunos deveriam entrar às 08h15 e sair antes das 17 horas? Ou porque todos teriam de entrar, ou sair, no mesmo horário? Saberia que aprendemos 24 horas por dia? E que, à tarde ou à noite, também se poderia aprender matemática ou português?

Os equívocos do “revolucionário” diretor (era assim que um jornalista o considerava) estendiam-se por mais alguns parágrafos da “revolucionária” notícia. Como vedes, aos idos de vinte, as escolas continuavam atoladas numa indigência pedagógica sem fim à vista.

Por: José Pacheco