Cacilhas, 11 de setembro de 2041
Ontem, completaram-se vinte anos sobre o falecimento de um homem bom. Foi Presidente da República de Portugal e, na “Semana da Educação” de 1998, Jorge Sampaio visitou a Escola da Ponte. A visita ia a meio, quando ele pediu aos jornalistas e repórteres de rádio e tv que saíssem da escola por meia hora. Subiu ao primeiro andar e meteu conversa com as crianças. Sentou-se junto do Daniel e perguntou-lhe:
“Sabes quem eu sou?”
Sem retirar os olhos do trabalho que estava a fazer, a criança respondeu:
“Sim. Sei. É o Senhor Presidente da República”.
“O que está a fazer?” – insistiu o Presidente.
“Estou a preparar os cartões de sócio do Clube dos Limpinhos”.
“Que clube é esse?”
“O Senhor Presidente é Limpinho?”
“Acho que sim.”
“Então, diga se concorda com estas regras.”
Jorge Sampaio concordou. A criança pediu-lhe os dados do Bilhete de Identidade. Confeccionou um cartão de cidadão limpinho e entregou-o ao Presidente.
A longa visita terminou na reunião da Assembleia de Escola. O Presidente e a esposa intervieram, para realçar o comportamento exemplar dos alunos, o elevado sentido do exercício democrático. Nessa noite, a televisão mostrava o final da reunião da Assembleia. Visivelmente emocionado, Jorge Sampaio se despediu, dizendo:
“Recebi de vós lições de cidadania. E peço-vos que nunca deixeis de erguer o braço, para pedir a palavra!”
Considerava que a cidadania “não se esgotava na escola”, mas que tinha aí “elementos essenciais de consolidação”:
“Um dia, aos oito anos, a professora disse-me que era eu que ia fazer o discurso semanal. Esse discurso foi comentado e criticado. Só mais tarde, percebi o quanto esta experiência de intervenção foi útil para o resto da minha vida”.
Na abertura da Semana da Educação, apontou como preocupação o facto de nem todas as crianças terem acesso a um ensino básico de qualidade.
“A escola e a família são fundamentais para desenvolver a capacidade de intervenção e de influenciar o nosso tempo. Há também responsabilidades sociais, por parte de toda a comunidade. Os problemas da escola resolvem-se dentro e fora dela – referiu Jorge Sampaio, fazendo apelos à participação responsável e à mudança:
“É preciso recusar tendências autoritaristas e saudosistas” – o Presidente estava atento a uma alteração da Lei de Bases, ao regresso da figura do diretor como alternativa a uma direção gestão e administração baseada em conselhos, não-hierarquizada:
“Não quero um País complacente com um destino escolar medíocre”.
Por essa altura, eu era membro eleito do Conselho Nacional de Educação e me coube elaborar um Parecer sobre uma proposta de lei. Nessa proposta, se previa que a “educação para a cidadania” fosse ensinada em uma ou duas aulas semanais. Quis saber se nas aulas de matemática não se exercia o direito de ser cidadão. Perguntei se na educação artística não havia cidadania. Questionei o fato de a cidadania do aluno estar limitada a uma ou duas horas semanais. E acrescentei que não se educa para a cidadania, nem se ensina cidadania – aprende-se cidadania no exercício da cidadania, no exercício de uma liberdade responsável.
Jorge Sampaio apelava a uma cidadania plena. Dizia que a escola deveria “desempenhar um papel importante na forma como vivemos a cidadania democrática”. E recomendava ao ministério a organização de assembleias nas escolas, como as vivenciara na Ponte. O ministério decretou que fossem feitas assembleias de… turma.
PS: Queridos netos, a foto que encima esta cartinha fixou o omento em que o vosso avô explicava ao Presidente o funcionamento da Ponte.
Por: José Pacheco
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