Cova da Piedade, 21 de setembro de 2041

Netos queridos,

Há exatos vinte anos, andava o vosso avô por Portugal, ajudando educadores em mais um início de ano letivo, quando teve conhecimento de uma liminar, no qual a Justiça Federal determinava:

“Ante o exposto, por evidenciada a urgência contemporânea à propositura da ação, aliado ao perigo de dano e risco ao resultado útil do processo, defiro a tutela de urgência para determinar que a União Federal, e quem a represente a qualquer título, abstenha-se de praticar qualquer ato institucional atentatório a dignidade do Professor Paulo Freire, na condição de Patrono da Educação Brasileira, como reconhecido pela Lei º 12.612/12”

A Ação fora proposta pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos com apoio de várias organizações da sociedade civil, que pressionaram a Justiça ao ponto de ela determinar que não se atentasse contra o patrono da educação brasileira.

Mas qual seria a “educação”, que teriam em mente?

A educação freiriana não era aquela que, nos idos de vinte, ainda se fazia. A educação, que Anísio, Lauro, Nilde, Cecília, Darcy, Freire e tantos outros insignes mestres alvitravam era a “Escola Pública”. Aquela que fora repetidamente anunciada em manifestos: o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” (em 1932), o “Mais uma Vez Convocados” (de 1959), o “Terceiro Manifesto da Educação” (de 2013), o “Manifesto para uma Educação Democrática e Humanizadora” (de 2021), onde se lia:

“Nós, professores envolvidos em projetos e ações para uma educação democrática e humanizadora, queremos expressar aqui nossas preocupações em relação ao trabalho dos educadores em face do que vem acontecendo, neste momento, em nosso país, na política, na economia e, principalmente, na saúde e na educação.”

A elaboração deste e de outros manifestos se constituíram em ciclos de denúncia e de anúncio, em gestos de coragem. Mas, na década de noventa, em São Paulo, competentes e generosos freirianos não lograram democratizar e autonomizar a Escola. Tal como o Miguel, em Belo Horizonte. Tal como o Darcy, em Brasília. A Escola Pública não se libertava do sarro instrucionista. E Darcy reconhecia ter tentado fazer uma universidade séria, e fracassado.

Mas, a amorosa mensagem de Freire permaneceria incólume, convidando novas gerações de educadores ao ato de coragem. Um Freire secretário de educação, inconformado, se manifestava:

“Eu recuso qualquer posição fatalista, diante da história e diante dos fatos. Eu não aceito, por exemplo, expressões como “é uma pena que haja tantos brasileiros e tantas brasileiras morrendo de fome, mas a realidade é essa mesma”. Eu recuso, como falsa, como ideológica, essa afirmação. Nenhuma realidade é assim mesmo. Toda a realidade está aí submetida à possibilidade de nossa intervenção nela.”

Numa das suas últimas alocuções, Freire disse querer ser recordado como um ser humano que amou a vida. E o seu exemplo frutificou. Nos idos de vinte, Rubem, Darcy, Freire e outros insignes mestres (finalmente!) regressavam do exílio. Rompiam o silenciar da sua memória, para (finalmente!) inspirar e fertilizar novas práticas. Como fênix renascida, a “Escola Pública” sonhada pelos mestres de antanho virava realidade pujante.

Amor, esperança, autonomia, emancipação, coragem, eram palavras recorrentes no discurso freiriano, transmutadas numa coerente praxeologia. Omnia vincit, como afirmaria Aldous Huxley do Admirável Mundo Novo:

“O amor é a melhor política. A melhor, não só para os que são amados, mas também para quem ama. Pois o amor é um potencial de energia.”

 

Por: José Pacheco