Évora, 12 de novembro de 2041
No novembro de há vinte anos, andei por terras do Alto Alentejo. No chão das escolas, conversei com professores sequiosos de mudança. Não conseguia compreender a razão por que, subitamente, educadores, diretores de escola e de agrupamento, câmaras municipais, escolas, universidades me pediam ajuda. Mas lá fui até ao solo luso, tentar ajudar.
Uns dez anos mais tarde, já entrados na década de trinta, vim a perceber o porquê de tanta azáfama. Já não era a Ponte o que procuravam. Ela ainda era a melhor escola portuguesa, mas chegara o tempo em que as raízes, que ela criara no estrangeiro – em Portugal, a Ponte era ostracizada – dessem lugar a troncos, ramificações, flores e frutos. A profecia de Agostinho da Silva se concretizava:
“Portugal desembarcou na África, na Ásia e na América. Só falta Portugal desembarcar em… Portugal”.
Regressava ao solo pátrio, já sem resquícios de etnocentrismo europeu. Trazia na bagagem sementes de uma nova construção social de educação. Mas, não seria eu, septuagenário andarilho, quem iria protagonizar mudanças e inovações. Uma nova geração de educadores tomava em suas mãos os destinos dos seus projetos. No exercício da solidariedade entre pares, vi-os fazer maravilhas, acreditando ser possível melhorar a Escola.
Estavam cansados de discursos desculpabilizadores e de corporativismos, que os adormeciam com anestésicos discursos. Convidavam aqueles que recusavam refletir as suas práticas, aqueles que recusavam melhorar-se, melhorando a aprendizagem dos alunos, e outros, que se julgavam no direito de “não querer mudar”. Os professores recuperavam a autoestima, reivindicavam o reconhecimento, social que lhes era devido
A velha escola, de que vos tenho falado nestas cartinhas, agonizava. Os sucessivos ministérios tinham aplicado pensos rápidos em feridas profundas. E aqueles que reproduziam práticas bolorentas já se interrogavam e procuravam saber a que senhor estavam servindo, chegando à compreensão das perversões a que as suas práticas conduziam.
Talvez tivessem compreendido, por exemplo, que o tipo de gestão do tempo, que as suas escolas adoptavam (idêntico ao de milhares de outras escolas) comprometia em desenvolvimento saudável. Talvez tivessem compreendido aquilo que Henry Giroux, há muito escrevera:
“Com os seus cronogramas e relacionamentos hierárquicos, a rotina da maior parte das salas de aula atua como um freio à participação e aos processos democráticos”.
Os insanos críticos das “novas pedagogias” já não conseguiam apontar o nome de uma só escola que praticasse “abomináveis novas pedagogias”, que prodigamente glosavam nos seus best sellers. Espertalhões que, antes, criticavam o “eduquês”, já não atingiam o topo de venda de livros. Já havia quem se interrogasse sobre práticas obsoletas e sobre as razões profundas do insucesso.
Professores vivos de todas as idades questionavam a abstração “turma”, tida como um todo homogéneo, ostracizando o sujeito aprendente. Entre quatro paredes, o aluno limitava-se à recepção de conceitos a que pouco ou nenhum significado atribuía. Partia-se de um princípio engendrado no século XVII – Comenius dizia ser possível ensinar a todos como se fosse um só e ainda havia quem nisso acreditasse.
Mas, se a aula era a competência detida pelos professores, era dando aula que os professores engendravam novas práticas. Em sala de aula, muitos educadores já adoptavam uma postura crítica, que levou alguém a perguntar:
“Por que razão os anjinhos papudos da talha barroca só têm cabeça e asas?”
Por: José Pacheco
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