Miratejo, 1 de dezembro de 2041
Andava eu entre continentes, tentando ser útil, enquanto o Brasil sofria os anos mais negros deste século. A degradação do sistema educacional fora acelerada durante um desgoverno, que os brasileiros escolheram para os desgovernar. Mas, havia mais Brasil, para além desse fenômeno. E ressurgiu.
Entretanto, eu insistia no convite dirigido aos meus amigos da UNIPROSA, para que a sua sabedoria subisse ao chão da escola. Seria aconselhável procurar compreender a origem do autoritarismo, para que ele não mais envenenasse a nobreza do exercício político. Seria preciso reconhecer que os bonsais humanos eram fruto da educação familiar, social e escolar. Estávamos no século XXI. Quando teríamos direito a uma educação deste século?
Um senador me pedira conselho. Iria para a Unesco, participar num novo projeto. Perguntei qual fosse o projeto. É o da “educação do futuro”. E eu, que andara mais de meio século escutando falar dessa mítica “educação do futuro”, sem que o futuro se fizesse presente, em que poderia ajudar?
Por força do adiamento da “educação do futuro”, na Europa, nova onda pandêmica começara. A Áustria decretara vacinação obrigatória. A Holanda anunciava o aparecimento de nova estirpe do vírus. A União Europeia fechava as portas a voos procedentes do sul africano.
Mia Couto e José Águalusa assim reagiram:
“Cientistas sul-africanos foram capazes de detectar e sequenciar uma nova variante do SARS Cov 2. No mesmo instante, divulgaram de forma transparente a sua descoberta. Ao invés de um aplauso, o país foi castigado. Junto com a África do Sul, os países vizinhos foram igualmente penalizados. Em vez de se oferecer para trabalhar juntos com os africanos, os governos europeus viraram costas e fecharam-se sobre os seus próprios assuntos.
Não se fecham fronteiras, fecham-se pessoas. Fecham-se economias, sociedades, caminhos para o progresso. A penalização que agora somos sujeitos vai agravar o terrível empobrecimento que os cidadãos destes países estão sendo sujeitos devido ao isolamento imposto pela pandemia.
Mais uma vez, a ciência ficou refém da política. Uma vez mais, o medo toldou a razão. Uma vez mais, o egoísmo prevaleceu. A falta de solidariedade já estava presente (e aceite com naturalidade) na chocante desigualdade na distribuição das vacinas. Enquanto, a Europa discute a quarta e quinta dose, a grande maioria dos africanos não beneficiou de uma simples dose.
As implicações económicas e sociais destas recentes medidas são fáceis de imaginar. Mas a África Austral está longe, demasiado longe. Já não se trata apenas de falta de solidariedade. Trata-se de agir contra a ciência e contra a humanidade.”
Finda uma breve diáspora por terras do sul, completado o democrático período de desgoverno, regressei ao Brasil, para acompanhar projetos e ajudar no que pudesse. Embora nunca regressemos, por ser impossível estar de novo em tempos velhos, retomei o meu andarilhar, a partir de projetos suspensos. Se regressar era ilusão, os projetos eram reais e tinham aprendido a sobreviver. Pelo menos, isso a covid nos havia ensinado: a não repetir os mesmos erros.
Comigo viajaram todos aqueles que me fizeram. Eu transportava décadas de descaminhos e alguns acertos. Continuava decidido a não abdicar de princípios. Exigia coerência. Apelava à decisão ética, que tanto glosara, ao longo de longos anos. Na mente, os parcos saberes de “especialista”; no coração, uma recomendação de Krishnamurti: não exagerar na profissionalização, para que o amor não se dissipasse no ardor da profissão.
Por: José Pacheco
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