Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCLIII)

Castro da Cola, 3 de janeiro de 2042

Quando, no início do século, escrevi “Para os filhos dos filhos dos nossos filhos” não o fiz lamentando, mas esperançando. O livro traduzia o pressentimento de que o tempo de uma nova educação acabaria por chegar. O olhar do Marcos suscitou uma reflexão sobre o ritual da “passagem de ano”. Depois, mais do que divagar sobre o tempo e a sua medida, pretendi invocar uma previsão lida algures: o seu autor profetizava que “a idade da Educação” chegaria em meados do século XXI. Não era em vão que alimentávamos a esperança. Só custaria aceitar que a minha geração já por cá não andasse, no tempo em que a educação fosse encarada como assunto sério. 

À escala do cosmos, o tempo de passar não era mais do que um rasto de vaga-lume. Mesmo que pensássemos que, quanto mais efémeras, mais belas eram as vidas, a poesia de um precoce perecer não ocultava uma trágica realidade: até meados deste século, ainda seriam muitas as gerações a quem seria negada a educação que os seres humanos mais jovens mereciam.

Escrever sobre o ofício de educar era sempre um exercício precário. Por mais que o desejo desenhasse possíveis futuros, quando escrevia para a Alice, ou para o Marcos, eu estava a escrever para os filhos dos filhos dos nossos filhos.

O prometido “futuro da educação” demorava a chegar. Estava preso no passado. Nos primeiros dias do distante 2022, as redes sociais continuavam a dar notícia do descalabro:

“(…) Fizeram de nós meros funcionários e das escolas meras repartições públicas de ensino de massas, transformadas em verdadeiras fábricas de papel! Quem matou a escola pública? (…) os problemas disciplinares aumentaram e os professores lidam diariamente com atitudes disfuncionais dentro e fora da sala de aula, quanto às aprendizagens, talvez tenha chegado a hora de chamar as coisas pelos seus nomes. Os miúdos do sétimo ano parecem ter saído diretamente do primeiro ciclo e muito grave é observar alunos do nono ano de escolaridade com atitudes e conhecimentos de sétimo. (…) São graves e preocupantes as lacunas, os problemas, o desconhecimento, a imaturidade, a incompetência nos mais variados domínios (…) a situação parece ser verdadeiramente calamitosa (…) os filhos da pandemia não escrevem, não leem, não compreendem, não interpretam, não pensam. O desinteresse pelos conteúdos curriculares e a alienação pelo conhecimento em geral são perigosamente alarmantes. Retirem-lhes as redes sociais e ficaremos perante seres desprovidos de qualquer interesse. Se antes dos confinamentos, o vício da tecnologia já era preocupante, quase dois anos depois do primeiro encerramento das escolas, estes comportamentos de adição pioraram e nada voltará a ser como antes.”

“Nada voltará a ser como dantes”… Infelizmente, o “dantes” causador desse descalabro manter-se-ia, ainda por vários anos. Na Internet, na televisão, nos jornais, a mídia gostaria de ver “o homem morder o cão”, mas mantinha-se na divulgação do que de pior acontecia no mundo da educação: escândalos, ou devaneios de “especialistas”. Urgia um debata público fundamentado. Mas, o ministério fugia do debate sério. 

Num tempo em que já estava prestes a me retirar, muita gente me pediu ajuda. Eram secretários de educação, diretores de agrupamentos e de escolas, famílias, educadores, comunidades. Eram pessoas atentas à necessidade de mudança e disponíveis para aprender a fazer diferente. Restaria agir no chão da escola, desobedecer a regulamentos, para cumprir a lei. Decidi convidar gente para o fazer. Desse “movimento” vos darei notícia.

 

Por: José Pacheco

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