Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCLXXIII)

Barra de Zacarias, 25 de janeiro de 2042

No decurso da campanha eleitoral do distante janeiro de 2022, tentei chegar à fala com políticos candidatos à eleição. Diálogo difícil, pois, sempre que eu lhes falava de aprendizagem e de avaliação, eles falavam de aulas e de exames; se lhes falava de educação e de crianças, eles falavam de ensinagem e de dinheiro. Porém, nesse janeiro, em contraponto com o festival de horrores eleitoralista, havia quem quisesse “combater a mercantilização e reverter a precariedade”, defendesse “o fim dos exames”, o “combate à burocracia”, a “autonomia institucional, assegurando a autorresponsabilidade das escolas”, “rever a organização dos mega-agrupamentos, recuperar a gestão democrática, reestabelecer um modelo colegial de direção escolar” e “uma reforma do sistema de ensino centrado nos conteúdos e na ilusão de que uma prova escrita é um instrumento infalível de avaliação de um aluno, ou de uma escola”. 

Propunha-se ainda “construir comunidades educativas preparadas para os desafios do século XXI, escolas que transitassem para um modelo de educação assente num conhecimento dinâmico” (sic).

No contraponto das “novidades”, desgovernantes empurravam crianças não vacinadas para dentro de prédios chamados escolas. Elites negacionistas evocavam “evidências científicas” para forçar o retorno presencial, ignorando recomendações de médicos, higienistas e cientistas. O Paulo, professor de Patologia e membro da Academia Nacional de Medicina, assim desabafava:

“Há tempos, eu prometi não escrever sobre temas políticos. Peço perdão por fazê-lo. A todas e todos que se sentirem incomodados me desculpo e peço que abandonem este espaço. Não quero causar a ninguém qualquer embaraço. Há tempos em que não se pode esconder na poesia, nem buscar consolo na memória do menino que um dia fui e que deixei perdido numa distante esquina do tempo. Escrevo por compulsão, quase um lamento por saber que hoje o Ministério da Saúde do Brasil não aprovou os protocolos de tratamento clínico da COVID-19. Sinto que devo uma satisfação às pessoas que ofereceram seus corpos para que eu estudasse a doença. Devo estar também ao lado das famílias com quem compartilhei a dor de perderem um ente amado. Falo particularmente em nome das crianças, cuja morte me fez recobrar, numa noite fria, a esperança de um encontro com Deus. Permitam-me falar também em meu nome, hoje como paciente e infectado. O dia de hoje é para esquecê-lo, de apagar da mente o pesadelo destes dias impregnados pela ignorância profunda, oriunda de gentes que pouco sabem, que não se compadecem dos aflitos, que desconhecem o amor, que se apegam a mitos. É uma ignorância convicta, presunçosa, pastosa e nefasta. Frente a este cenário, o silêncio dos órgãos de regulação médicos é ensurdecedor. Desde a minha janela, o dia hoje foi quente e ensolarado. No interior da minha alma foi noite escura. Que vergonha senti hoje por ser médico”.

Mas uma parcela da população já ousava pensar diferente e, mais do que pensar, decidira agir. Políticos éticos seguiam-lhes os passos. Já havia secretários de educação, gestores, professores, famílias e comunidades conscientes da gravidade da situação e dispostos a invertê-la.

Nesse quinze de janeiro, deixei uma Sorocaba a contas com o clímax do surto pandêmico e sujeita ao racionamento de abastecimento de água. Regressei a Maricá, para ajudar a Adriana, a Cláudia, a Natália e tantas outras excelentes educadoras a promover a educação necessária para enfrentar a pandemia dos idos de vinte e as que viessem depois.  

 

Por: José Pacheco

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