Vila Nova de Gaia, 11 de abril de 2042
Não sabia por que acontecia, mas acontecia. Subitamente, quando já as forças me iam faltando, recebia pedidos de ajuda provindos de… Portugal. Vinte anos já eram passados sobre a decisão de voluntário exílio e eis que, sem descuidar as canseiras do sul, voltava a lugares do norte, que eu bem conhecia.
Liguei para o Albino e ele se fez presente num encontro de concretizar ideais. A última vez que estivera com esse amigo fora para reforçar a intervenção das associações de pais na vida das escolas. Vinte e cinco anos depois, voltávamos ao mesmo lugar, para ajudar um grupo de mães a participar na vida escolar dos seus filhos.
Escutei as mesmas queixas, discursos idênticos aos de trinta, aos de quarenta anos antes. Mas, algo diferia de antanho. Finalmente, professores se disponibilizavam e se aliavam às famílias que se envolviam ativamente em projetos de mudança. Só os teoricistas se mantinham alheios ao que acontecia no chão das escolas.
Ainda que ornada de disfarces, a educação básica apresentava-se igual àquela que eu havia conhecido, vinte anos antes. Belas metáforas. sábias palavras de formadores e palestrantes não iam além de metáforas e palavras, palavras, palavras.
Eu estranhava que um público em êxtase as escutasse, como se fosse novidade. Numa palestra da década de noventa, eu escutara um docente universitário criticando os “planos de apoio”, o modo como tratavam os alunos “especiais”. Trinta anos depois, escutei-o dizendo:
“Vemos o apoio, como se fosse um complemento, como se fosse qualquer coisa que é supletiva em relação a uma instituição que é claramente insuficiente, que não é capaz de lidar perfeitamente, completamente, com os seus problemas.
O apoio é, frequentemente, mais do mesmo., mais do mesmo (sic). Portanto, havia algumas fichas que não tinham sido feitas e que iam ser feitas no apoio. Havia fichas que tinham sido mal feitas na aula e que iam ser bem feitas. Mas a ficha era a mesma.
Eu penso que essa maneira de trabalhar o apoio não me parece uma maneira muito boa. Eu penso que o apoio é uma segunda linha, é uma segunda linha.
Quer dizer não vale apostarmos tudo no apoio. Nós vamos subindo subindo, subindo, subindo (sic), e vamos apostando num segundo nível, eu é o apoio. Eu acho isto bem errado.
Eu acho que o primeiro apoio é nas aulas. Isto é, a modificação das aulas, a alteração das aulas, um novo conceito de educação e de pedagogia, esse é que é o verdadeiro apoio”.
Confesso que, sempre que escutava algo assim, se apossava de mim um sentimento misto de indignação e tristeza. Durante mais de trinta anos, formadores e palestrantes repetiram à exaustão o discurso da mudança. Durante mais de trinta anos, colaboraram com aqueles que impediram que a mudança acontecesse. E, durante esse tempo, eles também não mudaram.
Lede mais algumas repetidas falas:
“É muto importante que nós tenhamos esta aposta no primeiro nível, que é, realmente, na modificação da pedagogia, é realmente na modificação da pedagogia. E, depois, pensarmos na emergência. A emergência, como o nome indica, tem que ser rápida e competente.
Quantas vezes nós ouvimos nas escolas que o menino começou a ter apoio no terceiro período. No terceiro período! Ainda se vai ver, no terceiro período, se alguém… Porque, está a ver, só temos mais um mês… Desculpem! Mas é uma falta de respeito! Uma falta de respeito!”
Realmente, eram uma falta de respeito as práticas de “terceiro período”. Mas, a maior falta de respeito tinha sido a de, durante trinta anos, repetir a lenga-lenga da inclusão, legitimando práticas excludentes.
Por: José Pacheco
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