Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (DCCCLXVIII)

Azoia, 6 de maio de 2042

Esta cartinha é feita de muitas datas e algumas memórias. Falo-vos do Portugal de 1986, de 2004 e de… autonomia. 

Tinham passado quase trinta anos sobre a primeira tentativa de democraticidade e participação. Ainda guardo um velho manuscrito (isso mesmo, um manuscrito) redigido em outubro de 76, que consagra a participação da comunidade na vida da escola e que esteve na origem do primeiro estatuto de uma associação de pais. 

Durante o primeiro período de democratização do regime político, entre 1974 e 1976, a assunção de autonomia foi interpretada como forma de autogestão. E, em 1976, a Associação de Pais da Escola da Ponte assumiu o papel de cogestora de um projeto que um professor propunha, visando o exercício autónomo da profissão. A primeira equipa de projeto foi constituída por membros de uma comunidade a que esse professor já pertencia.

Nos idos de oitenta, aprendi com o João como elaborar um enquadramento jurídico, que se abriu a uma autonomia, que ainda não chegara ao chão da escola, após doze anos de regime democrático. Somente no final dos anos 90, a Lei da Autonomia foi publicada. E em 2004, o primeiro contrato de autonomia foi celebrado. 

Em 2004, novas e perversas formas de controlo se instalaram e, no final da primeira década deste século, apenas uma autonomia mitigada era consentida e se converteu em réplicas de novos modos de regulação. 

Algo idêntico havia sucedido na década de 70. A autonomia afirmada pelas escolas levou a administração central a dar-lhe cobertura legal. Mas, terminada a fase de normalização, verificou-se o retorno de uma centralização concentrada e burocrática, explícita no Decreto-Lei n.º 769-A/76.

A Lei n.º 46/86, Lei de Bases do Sistema Educativo recuperou o princípio da autonomia das escolas, lançando na opinião pública e nas escolas o debate em torno de conceitos como: descentralização, desconcentração e diversificação da administração, direção e gestão educacional.

A lei estabeleceu que o sistema educativo se deveria organizar de modo a implementar práticas democráticas e processos participativos, partindo do princípio de que cabia à escola um papel fundamental no desenvolvimento local.

Na segunda metade da década de 80, fiz amizade com um ministro que, por acaso, é das poucas pessoas que conheço que celebram o seu aniversário no mesmo dia que o meu. Esse ministro “taurino” ousou mandar publicar um Decreto-Lei, que previa a transferência progressiva de atribuições e competências para as organizações escolares, traduzindo o reconhecimento pelo Estado da capacidade de as escolas melhor gerirem recursos do que o poder central, através da concretização dos seus projetos educativos. 

No Decreto-Lei 43/89 se dizia que se pretendia redimensionar o perfil e a atuação das escolas nos planos cultural, pedagógico, administrativo e financeiro, alargando simultaneamente, a sua capacidade de diálogo com a comunidade em que se inseriam. No plano pedagógico a autonomia poderia ser exercida na organização dos currículos, na gestão dos processos de avaliação, dos espaços, do tempo. No plano financeiro, a escola poderia elaborar propostas de orçamento, procedendo à gestão financeira.

O meu amigo Rui Canário considerava que a autonomia consentida nesse normativo ainda era precária, residual. O Rui tinha razão. Posteriormente, vários normativos limitaram o seu exercício. E o contrato de autonomia da Ponte não escapou a esse cercear de uma “precária” e “residual” autonomia. 

Disso vos falarei, em breve, neste busquejo, mais ou menos, histórico.

 

Por: José Pacheco

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