Torres Novas, 15 de maio de 2042
No mês de maio de há vinte anos, quando via passar os peregrinos a caminho de Fátima, fazia votos de que alguns deles pedissem à Virgem que fizesse o milagre da remissão da escola. Septuagenário, já começava a pensar que só um milagre nos libertaria de atavismos, de hereditárias práticas sociais e vícios curriculares.
O currículo que dava sentido à escola, ao modelo dominante e totalitário de escola não era mais do que um imenso e complexo programa de produção em série de pinóquios replicantes, de mulheres e homens cada vez menos diferentes uns dos outros. A escola que tínhamos nos idos de vinte, produzia clonagem, bonsais humanos vez menos autores de si próprios e dos seus destinos.
O Ademar assim a descrevia:
“Repare-se que não é outra a ambição daqueles que pensam, modelam e formatam o currículo tentacular e totalitário da escola contemporânea. Eles não respeitam, nem desejam acarinhar e fomentar a diversidade (de aptidões, de expectativas e de sonhos, de saberes e de sentimentos, de capacidades e de competências, de atitudes e de comportamentos); eles querem, antes, apagar e abolir a diversidade (a identidade, a autoria), para, através da escola, impor a indiferenciação universal. Todos os alunos, ao longo pelo menos da escolaridade básica, deveriam adquirir os mesmos conhecimentos, interiorizar os mesmos valores e desenvolver as mesmas capacidades, competências e atitudes, desejavelmente ao mesmo tempo, no mesmo ritmo e grau e nas mesmas circunstâncias
Se a escola contemporânea curricular fosse verdadeiramente eficaz, ela andaria, há muito, a clonar e a produzir em massa, numa lógica de pesadelo orwelliano, cópias replicantes do mesmíssimo modelo de educando escolarizado. Seriam jovens talvez dotados das mais excelentes e excelsas virtudes com que o homem pode imaginar a própria espécie. Só que o resultado da obsessão uniformizadora e formatadora da escola seria uma sociedade de idiotas sobreformados, a sociedade perfeita da indiferenciação e despersonificação universal”.
Façamos um “contraponto”. Quando, no final do século passado, Rubem Alves visitou a Ponte, publicou “A Escola com que sempre sonhei” e “Por uma Educação Romântica”. Nos “Brevíssimos Exercícios de Imortalidade”, que integram o segundo dos livros, Rubem falou de utopias:
“C. Wright Mills, um sociólogo sábio, comparou a nossa civilização a uma galera que navega pelos mares. Nos porões estão os remadores. Remam com precisão cada vez maior. A cada novo dia recebem remos novos, mais perfeitos. 0 ritmo das remadas se acelera. Sabem tudo sobre a ciência do remar. A galera navega cada vez mais rápido. Mas, perguntados sobre o porto do destino, respondem os remadores:
“O porto não nos importa. O que importa é a velocidade com que navegamos.”
Wright Mills usou esta metáfora para descrever a nossa civilização por meio de uma imagem plástica: multiplicam-se os meios técnicos e científicos ao nosso dispor, que fazem com que as mudanças sejam cada vez mais rápidas; mas não temos ideia alguma de para onde navegamos. Para onde? Somente um navegador louco ou perdido navegaria sem ter ideia do para onde”.
Em relação à vida da sociedade, ela contém a busca de uma utopia. Utopia, na linguagem comum, é usada como sonho impossível de ser realizado. Mas não é isso. Utopia é um ponto inatingível que indica uma direcção.
Mário Quintana explicou a utopia com um verso de sabor pitanga: “Se as coisas são inatingíveis… ora!/Não é motivo para não querê-las …/Que tristes os caminhos, se não fora/A mágica presença das estrelas!”
Por: José Pacheco
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