Boa Água, 28 de maio de 2042
Pelo maio de há vinte anos, voltei a Sesimbra e à Boa-Água, porque o Nuno integrava o pequeno grupo de diretores que não enjeitavam a responsabilidade da direção dos seus projetos e deveria ser exemplo para os restantes. A grande maioria delegava nos vices a competência pedagógica e se remetiam para o lidar com a “papelada”.
Eterno aprendiz, deambulei pelos espaços da escola, acompanhado pelo diretor do agrupamento, observando alunos envolvidos em efetivo trabalho de grupo. Era evidente o entusiasmo e a dedicação dos professores a um trabalho com sentido. Ma o amigo Nuno mostrava-se preocupado com a instabilidade da equipe. Todos os anos, professores dedicados eram obrigados a migrar para outras paragens, por força do “sistema” de concursos e colocações, tarefa de burocratas ociosos, que os empurravam para estabelecimentos de ensino cheios de alunos e vazios de aprendizagem.
Eu cria crer que os burocratas não liam as leis que eles próprios tinham aprovado. O artigo 48º da Lei de Bases do Sistema Educativo era claro! Decorrente de uma gestão de onde critérios de natureza científica andavam ausentes, eclodiu a crise da “falta de professores”. Se bem que, em alguns lugares, eles sobrassem. Num dos municípios por onde passei, por essa altura, havia dois ou três alunos para cada professor.
Os jornais davam notícia de que havia sete mil alunos ainda sem professor e de que os docentes afastados poderiam voltar. E que “dos dezenove mil alunos que começaram o ano sem professor, onze mil e oitocentos já tinham o problema resolvido”. Entretanto, o ministro revelava a intenção de criar um mecanismo que permitisse “trazer de volta à carreira professores que entretanto se afastaram” e que quisessem regressar. Isso mesmo: abria a hipótese de “docentes afastados do ensino voltarem à carreira de professores”.
Diretores de agrupamentos de escolas expunham problemas na contratação de professores, denunciavam a rigidez legislativa e as medidas tomadas “com pouco conhecimento de causa”. Afirmavam os “especialistas” que seria preciso contratar cerca de três mil e quinhentos professores por ano, até 2030 e que a falta de professores era um problema generalizado no país e “não seria resolvido com as ideias de sempre, por “políticas envelhecidas” para problemas que eram “dinâmicos”.
Um dos objetivos do ministério desse tempo era “tornar a carreira de professores mais apelativa e estável, para que mais professores tivessem “o desígnio de seguir a “arte de ensinar”. Para tal, apontava a necessidade de “abrir portas à formação”, anunciando, “para breve, uma reunião com todas as instituições que formam professores, para rever as condições de acesso aos mestrados em ensino e abrir mais vagas”. E o ministro afirmava:
“O foco do Ministério da Educação é mesmo que os alunos tenham aulas, não pode ser outro!”.
Não se questionava a qualidade da formação e dos mestrados, apelava-se à produção em série de dadores de aula, para acudir à “grave situação”. E eu rogava a Deus que inspirasse o novo ministro, que o fizesse lúcido e capaz de não repetir erros de antanho.
O Criador parecia dar ouvidos às preces do amigo Nuno, pois o ministro já ia discursando sobre a necessidade de criar uma carreira apelativa, eliminando a “mobilidade cíclica, que não permite que os professores tenham estabilidade”: “Uma vida aos bochechos” – palavras do ministro – “em que, de quatro em quatro anos, ou mesmo de ano em ano, os professores mudam de escola, resultando em “desinteresse” pela profissão. É preciso “acabar com a casa às costas”.
Por: José Pacheco
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