Quarteira, 24 de junho de 2042
Netos queridos,
Vos juro que não me agradam memórias tristes. Mas elas se misturam com outras de terna recordação. Quando, hoje, pretendia dar-vos notícia de maravilhas, logo tristes memórias se lhe juntaram.
São memórias prodigiosas, merecem um bom tratamento da palavra, coisa que, hoje, não creio que seja possível assegurar. Passei a noite às voltas com o remanso de velhas maleitas e não me queirais mal, se guardar as boas recordações para amanhã. Enfim! … Antes que tristes memórias possam esvair-se nesta cabeça de senil nonagenário, elas aqui vão…
Foi por junho, foi num 24 de junho de há vinte anos, que tudo aconteceu. Melhor dizendo, que tudo começou a acontecer. Era o primeiro junho após a primeira das pandemias. Portugal retomava a celebração dos Santos Populares: o António, o Pedro e o João.
O vosso avô nasceu no Porto e, anos a fio, foi para a rua na noite de São João. Nos idos de sessenta, com vasos de manjerico e ramos de cidreira, para dar a cheirar. Depois, com alho porro a acariciar as cabeças de conterrâneos e forasteiros, desfilando, cantando e dançando na rusga da Vitória. Até que, na década de setenta, as ruas foram invadidas pelo estridente som de martelinhos de plástico.
Fosse como fosse, neste extremo de país europeu periférico, muito antes da cristianização, os celtas já celebravam fartas colheitas, no solstício de verão, no dia mais longo do ano. O catolicismo incorporou essa festividade e conferiu-lhe novas interpretações.
Se, em Portugal, as festas dos Santos Populares se inspiraram nos celtas, ao chegar ao Brasil, os portugueses depararam-se com uma tradição indígena de festejar colheitas. Essa celebração acontecia por junho. Os nobres da corte portuguesa a adotaram, juntaram-lhe lusos rituais e a celebração se foi tornando festa popular.
No meu voluntário exílio brasileiro, este portuense de gema passou a celebrar o São João em “arraiás” enfeitados de bandeirinhas, dançando a “quadrilha junina”, com origem da Holanda e numa dança parisiense – a “quadrille” – formada por quatro casais.
Na Via das Aves, o São João era comemorado pela Ponte com um desfile pelas ruas da vila, algo que relembro com alegria. Disso também vos falarei, em breve. Por agora, apenas tristes memórias.
Em clima de festa, eis que recebo esta mensagem:
“Nesta semana tivemos uma reunião com o diretor do Agrupamento. Queríamos falar com ele sobre os próximos passos, e em que medida poderíamos nós, mães, apoiá-lo.
Passaram apenas semanas desde a sua visita, José. E vimos o diretor com aquele discurso feito de “é complicado”, entre outras generalidades bacocas de conversas que deve ter tido, entretanto, com outras pessoas. Disse que tinha muitas dúvidas, ao que eu respondi que era preciso ir procurar informação e enviar um email ao José, por exemplo.
Ontem enviei-lhe o seu livro Inovar e sugeri que o lesse.
Ficámos desanimadas, confesso. Mas não desistiremos, mesmo que este processo demore mais tempo. Partilho também o email que lhe enviei com o livro, onde se pode sentir a minha frustração.
Obrigada José, pelas suas palavras e inesgotável energia. Obrigada pela força que nos dá. Cá estaremos para apoiar em tudo o que for preciso. Este projeto vai acontecer!”
Por essa altura, andava eu pelos Algarves, conversando com pais e professores. O amigo Manuel organizara dois encontros. Depois de uma caprichada cachupa e de um copinho de medronho, a conversa aconteceu fluente, construtiva. E, como contraponto de más notícias, pelos lados de Faro, Albufeira, Tavira e Quarteira, uma nova educação surgia.
Por: José Pacheco
152total visits,6visits today