Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (CMLXXIII)

Regência, 22 de agosto de 2042

Após a primeira das pandemias deste século, duas palavras caraterizavam os encontros entre seres humanos: “virtual” e “presencial”. O presencial e o remoto digital caraterizavam o “novo normal” das escolas, enquanto as redes sociais criavam a ilusão da proximidade. Nunca de tantos instrumentos de comunicação a humanidade dispusera e nunca tão solitários os seres humanos viviam. 

Na contramão da desventura, eu privilegiava o encontro onde poderia abraçar. Na tarde de um domingo ensolarado, a Natália e a Cordélia me levaram a uma aldeia indígena de São José de Imbassaí, onde conheci a Nena, mãe da Sofia e da Luna, e um Darcy guarani. No mesmo dia, aconteceria o encontro (presencial) com o amigo Jarbas, pai do Martim e da Amora. 

São José do Imbassaí era as pessoas que nesse lugar viviam e que eu (presencialmente!) deveria conhecer. Por lá andarilhei, transformando encontros (presenciais!) em oportunidades de fazer novos amigos e de ajudar a fundar comunidades. 

Regressado ao Brasil, numa tarde do agosto de há vinte anos, num encontro (presencial!) conheci a mãe de duas maravilhosas crianças. Tivéramos esporádicos contatos virtuais, num dos quais me apercebi de que, sete anos antes, eu pegara ao colo um dos seus filhos. 

À semelhança de outras amorosas mães, a mãe Marcela estava possuída de um legítimo desassossego, atenta ao perigo de distorção de infantis destinos. Apreensiva, pressentia atitudes de modelagem no agir ensinante do professor do seu filho. Preocupava-se que houvesse professores que não conseguissem ensinar, mas preocupava-se ainda mais com aquilo que ensinavam. 

Ainda que de tal não tivessem consciência, os professores transmitiam valores. E, em função dos seus sistemas de crenças, impregnavam os alunos de uniformização (nesse tempo, muitas crianças eram obrigadas a usar uniforme) e de conformismo. 

Já dizia o Jung que, por força de tais desmandos, todos nascemos originais e morremos feitos cópias. Conversámos. E encontramos modos de proteger os seus filhos. Como Buda, a Marcela sabia que em nossas vidas, a mudança é inevitável, que a perda é inevitável e que a felicidade reside na nossa adaptabilidade de sobreviver ao que há de ruim. E cuidava de não saber tudo o que o seu filho precisaria saber, para saber quem era. 

Protetora, o acompanharia nas aprendizagens que faria nos encontros e desencontros que a vida lhe reservava. A Marcela preservava os seus filhos de presunçosas sapiências de adulto. Cumpria a primeira das regras da maternagem: procurar aprender o que eles eram, no que pensavam, para além do que se pensava que eles deveriam pensar, do que eles deveriam ser.

“Seguia a criança”, como fizera a mãe solteira Montessori. Muitos anos antes, também os olhos do André eram meus guias. Neles fundia o meu olhar, para me ir refazendo. Mas se o seu olhar se voltasse para dentro, a viagem interior conceder-me-ia idêntico deambular de rumos novos, que percorreria se eu quisesse e se ele quisesse. 

Não fora o não-exemplo do meu avô (talvez um dia vos conte), eu acabaria eletricista, como estava escrito no meu retorcido destino de criança. O destino também se poderia distorcer. Bastaria pensar de modo a libertar ideias, a afagar o pensamento com novos modos de pensar, ter o condão de reforçar o pensamento divergente, que nos protegia de certezas certas. 

Conheci alguns seres humanos que não se deixaram pensar. Possuíam uma fórmula, até então ainda secreta, que consistia em interrogar o mundo. Vê-lo em cada manhã, como fizera o primeiro homem, perante as cores da primeira madrugada. 

Por: José Pacheco

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