Niterói, 10 de setembro de 2042
A Alberta, professora recém-formada e “com o sangue na guelra”, chegou à sua nova escola decidida a criar um núcleo de projeto. Não conhecia os hábitos da casa e ousou levar um livro do Morin para a reunião do “pedagógico”. Foi fatal, pois não tardou a ouvir:
“Olha esta! Armada em intelectual! Era só o que nos faltava!”
“Ó colega, eu encontrei este livro na biblioteca.” – titubeou.
“Na biblioteca? Vê-se bem que a colega ainda é nova, que ainda tem umas ideias esquisitas. Assim, não vai longe! Eu lhe asseguro” – replicou a professora mais velha.
Enganou-se a professora mais velha, pois a colega mais nova foi “longe”. Foi para longe daquela escola, peregrinar em busca de escolas não habitadas por sombras. Foi resistindo ao desdém e ao desânimo, até ao dia em que encontrou um lugar a que pôde, finalmente, chamar escola. E, com professores a quem pôde chamar professores, ajudou a levantar um projeto resiliente.
Qualquer caminhada nos ensina que não há everestes definitivos. O limite dos mares, as arestas dos abismos onde imperavam os monstros de todas as mitologias, tudo o que aparenta ser o último e definitivo passo não é mais do que o primeiro passo de cada recomeço.
Quando assistia ao desânimo de algum professor, fazia-lhe ver o quanto tinha para andar, o quanto deveria acreditar na passada. Falava-lhe dos educadores de todos os tempos que iam a seu lado, numa incessante caminhada. Falava-lhe de resiliência.
O amigo Conrado era um jovem resiliente e sábio. Nos idos de vinte, assumira um voluntariado consciente numa escola resiliente. E fazia o seu caminho apoiado naquilo que uma ciência prudente lhe oferecia. Passo a palavra ao Conrado:
“No início do ano de 2021 recebi o convite para participar de uma reunião virtual – ainda em decorrência da pandemia do Corona Vírus – na qual seria apresentada uma proposta de trabalho voluntário. E me voluntarizei.
Constituída a equipe de projeto, retomamos a proposta elaborada pelo Grupo de Trabalho da Inovação do MEC (2015) e a “recomendação” do José: “Uma educação de boa qualidade, que assegure excelência acadêmica e
inclusão social, é possível, se redefinido o conceito de “escola”, se
acontecer a reconfiguração das práticas escolares no contexto de novas
construções sociais de aprendizagem”.
Mais que uma transição, almejávamos uma rutura com o modelo arcaico de Escola que prioriza a transmissão de informações e adota uma avaliação que segrega e compara. Para maioria dos educadores da escola, essas transformações representavam um choque com sua cultura profissional: o professor deixaria de ser quem dá respostas passando a ser quem faz perguntas. – não adianta ser qualquer pergunta, precisam ser boas
perguntas, que motivem o aprendiz a buscar respostas.
A metodologia de pesquisa utilizada foi a pesquisa-ação, que associa teoria e
prática de modo que os participantes se envolvem de maneira participativa e/ou
cooperativa, permitindo que os mesmos adotem uma postura reflexiva e crítica sobre si mesmos. Essa pesquisa se aproxima da dialética freiriana, na medida em que parte da ação, perpassa pela reflexão que gera nova ação, constituindo o ciclo promovedor de mudanças atitudinais”
Durante um ano, o Conrado conviveu com educadores entusiastas e outros receosos, ajudado pelas por duas solidárias Martas. Aos poucos, foi esboçando o perfil de um professor-tutor, documento que achei numa das minhas incursões num velho baú. O Conrado o partilhou, quer com professores descrentes, quer com educadores excecionais e… resilientes. Eram raros, mas os havia.
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