Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MVII)

São Vicente de Paula, 25 de setembro de 2042

Mal o ano letivo começara e já polémicas fúteis eram criadas. Centrais sindicais recusavam a possibilidade de as escolas poderem escolher os seus professores. O ministro avançara com uma proposta nesse sentido, proposta coerente com o programa de governo e que denotava coragem cívica da parte do ministro, algo inédito até então.

A proposta do ministro era inédita, mas não era original. Em 2004, o contrato de autonomia celebrado entre o Ministério da Educação e a Escola da Ponte já contemplava essa possibilidade. 

Os professores não se candidatavam a uma escola perto de casa; faziam concurso para participar num projeto coerente com a sua visão de mundo e de educação. 

 Em 1996, a Ponte recebera o primeiro prémio de um concurso de projetos inovadores lançado pelo ministério. Tinham passado vinte anos sobre o início do projeto “Fazer a Ponte”, duas décadas de afirmação de dignidade profissional, de excelência académica e inclusão social. 

Em 2004, quase trinta anos após o seu início, um contrato de autonomia foi celebrado com o ministério da educação. E a autonomia mitigada desse documento contemplava a possibilidade de escolhermos os professores necessários (e leais) ao nosso projeto. 

Tinham passado quase trinta anos de difícil gestão. Para além de torpes tentativas de destruição sofridas, a mobilidade dos professores se constituía em obstáculo à mudança e inovação. Ano após ano, éramos obrigados a voltar ao início do projeto, formando os professores que um sistema de colocações cego e inumano nos enviava. Chegavam sem saber o que fazer, sem jamais terem lido o nosso projeto, sabendo apenas… “dar aula”. 

No final de cada ano letivo, professores “agregados” eram obrigados a “concorrer” e víamo-los partir, para não mais voltar. Na sua maioria, tinham-se adaptado ao “método da Ponte” (como chamavam ao nosso modo de agir). Alguns partiam banhados em lágrimas. O “concurso” era implacável; o sistema, desumano. 

Talvez tentando recompensar a Ponte dessas perdas e danos, experimentalmente, o ministério nos concedeu o direito de escolha de professores. Exatamente aquilo que o ministro propunha em 2022. 

Longo e penoso foi o caminho para a autonomia permitida pelo contrato. O concurso de recrutamento de professores da Ponte era universal e obedecia a parâmetros e critérios bem definidos. Mas, todo esse cuidado não evitou que os burocratas se manifestassem e que novos corporativismos surgissem. 

Durante um congresso, um companheiro das lides sindicais me interpelou nestes termos:

“Colega, a Escola da Ponte abriu um grave precedente. A partir de agora, qualquer diretor pode contratar um amiguinho seu. Uma diretora, que tenha uma filha para dar emprego, pode contratá-la. Não vão faltar “acordos de comadres”. 

O meu interlocutor foi, entusiasticamente, ovacionado. E eu respondi:

“Considero inadmissível que um sindicalista admita que haja professores antiéticos e que possam viabilizar “compadrismo”? 

Haverá diretores desonestos? Crês que haja educadores desonestos?”

Ficou calado. Depois, se penitenciou das insinuações. E dali se foi. Hibernou e voltou à carga, trinta anos mais tarde. De novo se recusava a possibilidade de as escolas selecionarem professores, na adesão a valores e princípios do seu projeto educativo.

Em alguns pontos o ministério e os sindicatos estavam de acordo. Ambos duvidavam da honestidade dos diretores das escolas e consideravam os professores incompetentes para gerir as escolas em autonomia, outorgando-lhes atestados de menoridade cívica. 

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