Itaupuaçu, 29 de setembro de 2042
No setembro de vinte e dois, pouco tempo antes do início do ano letivo, enviei ao João Costa uma mensagem por e-mail (lembrais-vos dessa ferramenta digital, que permitia enviar e receber mensagens?) e lhe pedi que dela desse conhecimento ao António Leite, seu secretário de educação.
Acreditava que eles seriam dignos da minha lealdade, que fossem pessoas de bem. Não as “pessoas de bem” de um personagem trágico de nome Ventura, mas seres humanos que, beneficiando do exercício do poder, o pusessem ao serviço de uma nova educação.
Não obtive resposta à mensagem, talvez porque eu tivesse utilizado o endereço de professor e não o de ministro. O João estava ministro da educação, não era ministro. Antes, havia estado secretário, tal como o António. E, após o desempenho desse cargo, ambos voltariam, respetivamente, para a academia e para a administração.
O João era formado em Linguística e compensava com sensibilidade e intuição pedagógica carências de conhecimento no domínio das ciências da educação. Por essa razão, o admirava enquanto pessoa e lhe manifestava solidariedade, enquanto se mantivesse no cargo de ministro.
Sendo escuteiro, o exercício do seu mandato refletia a aplicação de princípios em tudo idênticos àqueles que o vosso avô adotara. Daí que merecesse a minha colaboração, acaso em algo eu pudesse ser útil. O escutismo visava fazer com que o jovem assumisse o seu próprio crescimento, tornando-se exemplo de fraternidade, lealdade, altruísmo.
Na relação com os outros, pautava a sua atuação pela promoção da justiça e da paz, da compreensão e da cooperação, no respeito pela dignidade do Homem e da integridade da Natureza. Baden-Powell havia escrito que a fragilidade das democracias estava no homem que recusava pensar por si, que não aprendera a pensar bem. Por isso, se requeria que os jovens escutas fossem amorosos, leais e participativos, isto é: que exercessem cidadania plena.
Enviei nova mensagem ao João, na intenção de o ajudar a suportar a pesada tarefa de cuidar da humanização de um monstro burocrático, que dava pelo nome de “ministério”. E passei a dar conhecimento dessas mensagens ao meu amigo António. Não o António Leite secretário, mas o Quaresma, um ilustre professor de chão de escola.
Perguntareis, netos queridos, por que incluí o António professor nessa epistolar e fraterna atividade. Vo-lo direi.
Em 2022, o amigo António iniciava o último ano letivo da sua vida de professor. Fora um lutador pela dignificação da Escola Pública e escrevera um livro precioso: “Recriar a Escola Pública, Refundar o Sistema Educativo”. Na introdução a essa obra, o meu amigo isto escreveu:
“Este livro é marcado também pela constatação de que a escola pública (aquela que me interessa particularmente, por razões de justiça e equidade), é atualmente uma instituição muito desadequada às necessidades deste primeiro quartel do século XXI e que, por isso, necessita ser recriada.
Para que a necessidade desse processo de mudança da escola seja percebida, este livro começa por analisar a sua génese para depois se abordar um conjunto de estratégias de ação educativa e pedagógica que podem concorrer para a renovar, promovendo uma aprendizagem significativa, profunda e contextualizada, assente na autonomia e na autorregulação da aprendizagem, de modo a formar crianças e jovens para a construção de um futuro feliz e de sucesso.”
A mudança da escola pública, séria, profunda e abrangente; disruptiva, numa única palavra, fará com que o sistema educativo possa evoluir verdadeiramente.”
E evoluiu…
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