Itapeteiú, no Primeiro dia de outubro de 2042
Foi esta a primeira frase escrita no projeto Fazer a Ponte, nos idos de setenta: “Os professores precisam mais de interrogações do que de certezas.”
Tentando uma difícil coerência entre o projeto escrito e a prática do projeto, duvidava das minhas certezas. E, com todo o respeito pela hierarquia instalada, questionava imposições e negócios escuros em que a educação era fértil.
Nos idos de vinte, havia muitos tabus por erradicar. E a criança grande que em mim habitava interpelava tudo o que não tinha explicação, nunca desistia de perguntar, porque nunca saiu da idade dos porquês.
Netos queridos, nesta cartinha e nas próximas, transcreverei perguntas feitas na década de sessenta e jamais respondidas. Sabei que, nos idos de vinte, a lei nos dizia que quaisquer que fossem as respostas, nelas deveriam prevalecer “critérios de natureza pedagógica e científica sobre critérios de natureza administrativa.”
Perguntei a meio mundo: Por que há “ano letivo”?
Quando decidi ser professor, as aulas começavam no primeiro dia de outubro. Meio século depois, as escolas permaneciam cativas de uma estranha pasmaceira, reproduzindo rituais sem sentido. Apenas a data de início de ano letivo (nesse tempo, havia “ano letivo”) fora modificada. E, quando chegou o tempo de irdes para a escola, poderíeis ser matriculadas, se completásseis seis anos até ao dia 15 de setembro.
Por que se estabelecera o dia 15 de setembro e não o dia 14, ou o 16? Por que não o dia 25 de abril, ou 28 de maio? Ninguém sabia o que responder. Apenas alguns burocratas tentaram. Mas, quando lhes pedia fundamentação da resposta, fingiam-se mudos.
Não havia fundamento – científico, como obrigava a lei! – para este e para outros pertinentes questionamentos.
Nos idos de vinte, o primeiro-ministro japonês, ponderava mudar o início do ano letivo para setembro, e não mais em abril, devido o surto de Coronavírus. Na Austrália, o ano letivo tinha início no final de janeiro. No
Canadá e na Inglaterra, no início de setembro. O Sommersemester alemão começava entre março e abril…
Nos Estados Unidos, as aulas começavam em agosto, logo após o “Summer Break”. Tal como em outros países de Inverno rigoroso, o fator determinante da escolha da data era o clima. E, talvez, o pressuposto de que a inteligência das crianças pararia de funcionar no primeiro dia de férias escolares e só voltaria a funcionar quando voltassem para dentro de um prédio a que chamavam “escola”. Talvez…
Não havia um período de férias entre os semestres, como era costume no Brasil, havia períodos de descanso, como o Spring Break, o Thanksgiving e o Winter Break.
Por que havia “férias escolares” simultâneas? Nos projetos de comunidade em que participei, cada aluno, cada família descansava quando precisasse. Beneficiavam de custo mais baixo de alojamento em hotel, pousada, ou parque de campismo. Dispunham de mais espaço nas praias. Engarrafamentos eram evitados.
Queridos netos, eu estaria errado? É claro que não! Então, se fazia sentido o meu raciocínio, por que haveria “ano letivo”?
No início de 2023, já alguns professores consolidavam as bases de uma nova construção social de aprendizagem. Sentindo-se aptos para ensinar e aprender todo o tempo e sem o costumeiro ano letivo, depararam com a oposição da administração escolar e diretorias, que os proibiu de desenvolver o projeto.
Cívica e respeitosamente, solicitaram à administração e às diretorias a fundamentação (científica!) da proibição. E, perante a ausência de resposta, cívica e respeitosamente, desobedeceram.
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