Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MXX)

Jacareí, 8 de outubro de 2042

Em tempos de cólera e mal-entendidos, o vosso avô afundava-se em breves crises existenciais. Como qualquer mortal, procurava entender por que havia quem acreditasse em mentiras e por que se suspendia diálogo. 

Nesses conturbados tempos, quando me perguntavam se eu era o José Pacheco, respondia:

“Tem dias, meu amigo. Tem dias! Há dias em que me encontro, outros em que me procuro.”

Como bem sabeis, face aos absurdos em que a educação era fértil, quando me faltavam as palavras com que os homens se desentendiam, o vosso avô recorria a metáforas que falavam de pássaros. E partia em viagens sem-fim, num sem destino em que se perdesse, para se encontrar.

Quando nascestes, o constante peregrinar me levou para o sul. De lá, vos contei as peripécias de umas gaivotas dissidentes. Elas eram aves marginais à história dos pássaros absorvidos em vidas de abdicar de viver. Nada tinham em comum com as suas irmãs, que não arriscavam o voo que as afastasse da costa e que, entre o nascimento e a morte, apenas conheciam o cheiro nauseabundo dos esgotos e o frémito dos medos. 

Como já percebestes, as gaivotas dessa estória não seguiam o rasto dos barcos, nem debicavam peixe podre. Durante as viagens, viveram encontros felizes. Mal começaram a afastar-se da costa, encontraram um corvo-marinho. Voava alto e vertical, e nem deu pela presença das gaivotas. Avistou um peixe nas águas claras e mergulhou vertiginosamente, para logo emergir saciado e de penas secas e limpas. 

Secas e limpas… eram negras as penas, como as de que se vestiam os pássaros que conheceram longas noites de voos proibidos. 

O corvo-marinho aceitou o convite das gaivotas e partiu com elas à aventura. 

Mais tarde, avistaram guarda-rios, que procriavam no recôndito de túneis escavados nas barreiras que bordejavam os rios, numa umbilical ligação com as águas. 

Verdade seja dita: não as guardavam, por correrem as águas sempre por outro lado, ou porque as ignorâncias dos homens as convertessem em charcos estagnados. Os guarda-rios já quase tinham esquecido os remotos ecos do fresco gargalhar de jovens almas refrescando-se em jogos de água e ilusão. 

Chegadas as gaivotas a essa terra entre dois rios, logo os trinados de pássaros livres regressaram às suas margens. Entre as demais, uma gaivota sugeria aos jovens aprendizes de voar o voar mais longe, nas asas do sonho.

De sonhos foi feita a realidade vivida nos idos de vinte e dois. No final desse ano e na Terra do Brincar, o “voo em v” dos biguás nos indicava a direção e múltiplos sentidos. E em alguns dos protótipos de comunidade, outros “pássaros aprendizes” se transformavam em novas vivências. 

Na auspiciosa véspera do oito de outubro de vinte e dois, nos encontros de Mogi e de Jacareí, algo inédito sucedia. Me habituara a ver na administração obstáculos quase intransponíveis. Mas, deparava com uma Priscila idealista e uma Patrícia sensível à necessidade de mudar. Deparava com uma “sincronicidade”. A Tina me chamou a atenção para dois pormenores: era o dia 7 e ali estavam sete secretários de educação… éticos. 

O amigo Mauro me deu carona e me falou das suas decisões. Era admirável a sua coragem, a sua generosidade e a ética do cuidar que dele emanava. Tal como o vosso avô, em tempos de cólera e mal-entendidos, o amigo Mauro também andava à sua procura. Convidei-o a visitar a Terra do Brincar.

É isso mesmo, o que estais a pensar. Havia educadores conscientes de que uma pandemia trouxera consigo um aviso. Havia quem se curasse de cegueira branca que não consentia que se levantasse o véu diáfano que tapava desumanas fantasias. 

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