Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MXCVI)

Iguaba Grande, 26 de dezembro de 2042

Para que se perceba a dimensão da tragédia humana provocada por um modelo de ensino fora do prazo de validade, atentai nestas notícias dos idos de vinte:

“Fulana compartilha clique na banheira e esquenta o clima na web. Aproveitou a noite para compartilhar cliques sensuais no Instagram. Ela apareceu só de toalha na banheira, chamando a atenção dos seguidores e recebendo uma chuva de elogios na rede social. “Dia de bater o barbeador no azulejo”, escreveu na legenda, dando a entender que era o momento da depilação. “Queria estar plena assim no chuveiro”, disse uma seguidora.”

Ao exibicionismo juntava-se a ignorância e a frivolidade:

“Beltrano comove a web com formatura do filho no Ensino Fundamental II. Compartilhou uma foto em que aparece com o formando abraçado. Passamos por anos complexos em meio à pandemia: você acordando cedinho todos os dias, estudando e se dedicando, mesmo com as dificuldades e a novidade do ensino remoto. Depois de mais de um ano, voltou para a escola e teve que se redescobrir socialmente. Aulas complexas… ‘Pra quê matemática, física, química?’. Também nunca entendi! Sempre fui de humanas.”

Um leigo poderia desconhecer a origem do ritual de “passar a corda do capelo do lado direito para o esquerdo” e de “jogar os capelos para o alto”. Não se poderia exigir que aderisse a rituais de passagem manifestações de “status”, analogia de uma coroa real, símbolo hierárquico, reconhecimento de poder.

A educação familiar e social se inspirava no Big Brother (talvez dele não vos recordeis desse repugnante programa de TV, consumido por milhões de voyeurs). E a educação escolar alimentava-se de competitividade negativa e “seleção natural”. Até havia “formaturas de crianças de três anos”! Insanidade total!

Igreja e Escola partilhavam a mesma origem. Numa instituição teocêntrica, fazia sentido o ritual de nomeação de novos cardeais, que se ajoelhavam para receber o capelo de cor púrpura das mãos do papa. Mas, por que razão a instituição Escola, supostamente leiga e democrática importara rituais sem sentido, a não ser o do lucro obtido por empresas do ramo:

“Precisa de uma empresa de formatura para tomar conta de todos os detalhes da festa de formatura da sua turma?”

Queridos netos, juro que boçalidades deste calibre abundavam nas redes sociais e na grande mídia. Mas, não penseis que a boçalidade fosse exclusiva de uma mídia glamorosa. Era do campo de Educação que partiam os maiores disparates.

Por que haveria o Ensino Fundamental II, a que o extremoso pai se referia? E o que eram “aulas complexas”?

Uma das variáveis mais importantes da organização escolar e revelador da cultura de escola era…o tempo. E, nos idos de vinte, subsistia um tempo administrativo separado de um tempo de vida vivida. Vos oferecerei exemplos de disparates a propósito da gestão do tempo escolar colhidos em revistas “especializadas”. Como estes:

“Quais são os melhores horários de entrada e saída? Qual é a duração mais adequada das aulas e quanto tempo os jovens devem permanecer na escola diariamente? Qual a periodicidade em que devem ser feitas as avaliações.”

Aulas! Escola-prédio? Periodicidade da avaliação que, por lei, deveria ser contínua! Poder-se-ia admitir que o autor dessas linhas fosse um “especialista”?

A Educação não é para amadores. Mas, nesse tempo, estava entregue nas mãos de aprendizes de feiticeiro da Educação: dadores de aula, áulicos, empresários.

Esses despropósitos já não me surpreendiam. Já só perguntava:

Quando findaria essa praga?

E onde estariam os “especialistas”?

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