São José do Vale do Rio Preto, 27 de dezembro de 2042
Vinte anos atrás, o vosso avô dizia que, quando fosse habitar o seu lugar etéreo, iria sob protesto. E que, se saudade fosse consentida no além, nostalgicamente, recordaria o nascer do sol, os tons carmim e violeta no horizonte matinal, os azuis e prateados do crepúsculo nas águas da lagoa.
Nesse tempo, ainda havia quem fizesse previsões. Agora, que o tempo se me escapa e os parcos saberes de velho me mostram serem inúteis vaticínios e premonições, recordo finais de ano de abundantes presságios e de profecias de fim dos tempos.
A cronobiologia provava que o tempo escolar instituído no decurso da primeira revolução industrial contrariava os ritmos biológicos e circadianos dos alunos, desconsiderava os ritmos ultradianos, que ocorriam em períodos inferiores a 20 horas, ritmos internos e hereditários. Ignorava os ritmos circadianos, que ocorriam num período aproximado de 24 horas. E os infradianos, que aconteciam em períodos superiores a 28 horas.
Mas, a Escola, que deveria ser tempo de reelaboração cultural e transformação social, também reproduzia ilusões. Ela mesma era falsidade temporal, pois separava o tempo cotidiano do tempo de aprender. Se todos sentíamos o passar do tempo, independentemente das horas, minutos e segundos, o tempo pessoal e único, por que razão as aprendizagens não se processavam segundo o tempo de desenvolvimento biológico, emocional e cognitivo dos alunos?
As escolas deveriam considerar as necessidades de alunos matutinos como as dos vespertinos, pois o pressuposto de que todos os alunos se adaptavam não passava de um pressuposto sem fundamento.
Por que razão não se adaptava a escola às características biopsicológicas dos alunos, se cada aluno era único e irrepetível, e aprendia de acordo com o seu ritmo? Por que razão as ciências da educação não reconheciam o conceito “ritmo de aprendizagem”, permitindo que a burocracia abrisse caminho para impor uniformizações?
Para que se pudesse conceber a construção de novas relações com o tempo escolar, seria indispensável um esforço traduzido na possibilidade de uma aprendizagem que fizesse sentido, que cada professor, no quadro de um projeto de vida, de transformação da sua cultura pessoal e profissional, inquirisse e pesquisasse: o que é o tempo?
Tínhamos um tempo social urbano, adaptado a necessidades sociais da segunda metade do século XIX, o tempo da industrialização, que marcou a emergência da escola da modernidade. E existia a nossa noção de passagem do tempo, derivada da repetição de eventos cíclicos.
Sair da rotina requeria uma profunda mudança de atitude. Em escolas onde eu colaborava e aprendia, jovens e adultos aprendiam a gerir o tempo. Os professores não gastavam tempo a planejar aulas para turmas, aulas iguais para todos. Não planejavam a vida dos outros, respeitavam os jovens e ajudavam-nos, ensinando-os a planejar as suas vidas, a planejar-se.
Esta cartinha teve como inspiração uma deliciosa crônica de Rubem Alves: “Tempus Fugit”. Vo-la recomendo. E, como 2042 está prestes a terminar, aqui vos deixo a reflexão do amigo Rubem a propósito do… tempo:
“Há também o tempo que se mede com as batidas do coração. Ao coração falta a precisão uniforme dos cronómetros. As suas batidas dançam ao ritmo da vida – e da morte. Tranquilo, de repente agita-se, dá saltos, tropeça… A esse tempo de vida os Gregos davam o nome de Kairós – para o qual não temos correspondente. A nossa civilização tem palavras para dizer o tempo dos relógios. Mas perdeu as palavras para dizer o tempo do coração.”
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