Cachoeiras 28 de dezembro de 2042
Permiti, queridos netos, que vos volte a falar do… tempo.
A insistência da instituição escolar em negar as diferentes relações que os alunos estabeleciam com o tempo contribuía para que fosse instituída nas escolas uma rotina que tudo abarcava. Por exemplo: a abstração “turma” deveria aprender, até ao final de um semestre, um determinado conjunto de conteúdos.
Insistia-se em tratar o tempo de forma homogénea. Todos os alunos eram submetidos às mesmas tarefas, cumpridas num mesmo tempo. Essa prática era justificada com o argumento de que seria democrática, uma vez que, supostamente, todos tinham as mesmas oportunidades e a todos era exigido o mesmo exercício.
Urgia identificar práticas de gestão do tempo e analisá-las criticamente, saber da repercussão nos resultados acadêmicos e outros efeitos. Saber por que se estabelecia a quantidade de horas de cada matéria, datas de (supostas) avaliações, períodos de férias e dias letivos, como se não existisse um currículo subjetivo, como se não se aprendesse nas vinte e quatro horas de cada dia, nos trezentos e sessenta e cinco dias de cada ano.
Da imposição do “ritmo único” decorria parte significativa de fenômenos como o desinteresse, a desmotivação, a indisciplina. Alguns pesquisadores o disseram. E, preocupados com a “eficiência” e a “eficácia” de um modelo educacional obsoleto, incidiam a sua atenção no tempo gasto pelos professores na correção de provas, na preparação das aulas, perdas de tempo no planejamento das aulas, nos atrasos entre classes. Identificavam aquilo que qualificavam como gestão ineficiente do tempo escolar, que implicava aumento de custos para as instituições, para a produtividade.
Resultava desses “estudos” a recomendação do uso de modernas panaceias, que substituíam, por exemplo, o preenchimento manual de tabelas, softwares com algoritmos específicos, que davam origem a melhores combinações de horários. Isto é: partindo do pressuposto de que deveria haver horários pré-fixados.
Delirantes “estudos” dividiam o tempo considerado útil em três componentes: o tempo que o professor e os alunos demoravam a chegar à sala de aula, após o toque para a entrada; o tempo que o professor demorava para dar informações aos alunos sobre as tarefas a realizar; o tempo que o professor demorava para organizar a sua aula, como o de fazer a chamada; E o tempo efetivo de aula era o tempo… que sobrava.
Em pleno século XXI, o debate sobre a gestão do tempo escolar permanecia embotado de absurdos, como o de considerar ser possível a coexistência de uma melhor educação com a manutenção de dispositivos pedagógicos desprovidos de qualquer fundamento científico, como: sala de aula, tempo letivo, carga horária….
Raramente encontrávamos estudos que não partissem do pressuposto de que o tempo de aprender era o tempo passado em sala de aula. Exemplo típico desse equívoco: quando um antropólogo demonstrava a necessidade de a sociedade compreender as peculiaridades da percepção e uso do tempo, afirmava ser muito importante que o conceito de tempo fosse entendido como vinculado à prática, pelo que as “aulas” de matemática deveriam ser administradas pela manhã, supostamente, porque o aluno teria maior capacidade de “absorver conhecimento”.
Pensando com os meus botões, não achava resposta para uma indagação, há muito tempo alimentada: seriam esses “pesquisadores” colegas das ciências da educação? Não queria acreditar que o fossem. Mas, acaso algum deles o fosse, padeceria da cegueira moral e ética, de que Bauman nos falara?
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