Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCXVII)

São Paulo, 16 de janeiro de 2043

Tento organizar um núcleo documental, espólio de anos de andarilhagem, que possa ser útil a pesquisadores vindouros. E o meu baú das velharias é uma caixinha de surpresas. Ontem, quando procurava umas recordações da Mãe Luíza, achei dois documentos reflexos do que de mais significativo acontecia nos idos de vinte.

Nesse tempo, eu ainda imprimia alguns documentos. E esse meu “pouco ecológico” hábito os salvou de se perderem em pen drives, que já não funcionam.

Trata-se de um esboço de matriz axiológica e do anúncio de um encontro “separador de águas”. Já percebestes que esta será mais uma cartinha “didática”…

Comecemos pela leitura da introdução da matriz axiológica, que a Tina, a Zizi, o Leo, o Antônio, a Valéria e o Mauro compuseram e que foi aprovada, sociocraticamente. Todos os projetos se iniciavam pela definição de valores comuns. E o daquela equipe de coordenação não escapou à regra.

“Somos uma rede de educadores. Praticamos educação em círculos de comunidades de aprendizagem. Os valores que nos sustentam são: compromisso, ética, cooperação, respeito e ousadia.

Nossa história está vinculada a processos de transformação ocorridos na educação no século XX, que foram intensificados nos últimos anos, a partir da formação de círculos de aprendizagem. Teoria e prática se fazem nos nossos espaços de trabalho.”

Em seguida, apresentavam um calendário de reuniões da equipe, nas quais manifestariam o seu sentir relativamente aos valores enunciados e se decidiria como os vivenciar na prática do projeto de formação iniciado em fevereiro de vinte e três.

O outro documento era o anúncio de um encontro, que viria a ser realizado no final de janeiro de há vinte anos. Podereis partilhá-lo com aqueles que, em 2043, também, desejem empreender caminhos de inovação educacional.

Ficai sabendo que, nesse tempo, havia gente consciente do que seria necessário fazer para que a escola pública fosse, efetivamente, pública. Sob o título “Ciclo Visões, Movimentos e Mudanças em Educação”, o Mauro e a Valéria assim o apresentavam:

“Completar 200 anos de independência inspira aos brasileiros reflexões sobre o momento presente, ponte entre passados contemplados e futuros possíveis. Equívocos, limitações e fragilidades podem assombrar a festa, mas vale reconhecer e provocar potências para valorizar protagonismos, reduzir desigualdades, reconhecer singularidades e abrir espaços para novos percursos.
Em sintonia com esse reconhecimento de potências há quem proponha uma nova construção social de aprendizagem, que tem centro nas práticas pedagógicas, mas que se relaciona com temas como a escolarização, as relações pessoais, a constituição do tecido social e a visão planetária. Essa visão aprofunda a crítica ao que se compreende por educação, e distancia o movimento de inovação de conotações meramente teóricas, metodológicas ou de apropriação tecnológica.

O Ciclo Visões, Movimentos e Mudanças em Educação propõe abrir caminhos, principiando nos sujeitos – seus desejos, suas histórias, seus talentos – e estimulando sua ação junto a equipes, organizações e movimentos que possam desdobrar esses potenciais em acontecimentos inaugurantes e instituintes.”

O documento impresso, que guardei, até hoje, informava que as inscrições poderiam ser feitas a partir no site do Centro de Pesquisa e Formação do Sesc.

Nada pior que um velho para complicar a vida dos jovens e comprometer a concretização dos seus projetos. Por isso, me retirei de cena, seguro de que a mudança necessária estava a começar.

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