Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCXXXIII)

Caracaraí, 1 de fevereiro de 2043

Dar-vos-ei a ler alguns excertos de um email recebido da Laiana.

“Desejo que esteja muito bem, como dizem, firme e forte na luta! Venho tentando vivenciar ideais e construir utopias nessa nossa educação, sabendo que não encontrei o caminho certo ainda, mas sem saber por qual trilha seguir, todas me parecem uma corrida de obstáculos, às vezes intransponíveis, às vezes dolorosos, às vezes obscuros e não tem sido fácil essa caminhada.

Sempre acreditei no meu dever ético como educadora, sempre acreditei na dignidade das crianças que por mim passaram e sempre lutei por seus direitos.” 

Lutar pelos direitos das crianças… O senso de comportamento ético da Laiana contrastava com a incapacidade de alguns seres humanos de agir em função de valores como a justiça e a igualdade.

Na Internet, especialistas discorriam sobre o sofrimento dos yanomami. E uma especialista em direito dizia haver elementos da conduta violenta com efeito de destruição de uma população, criticando o “negacionismo”. Com a minha mania de perguntar, logo questionei:

Quem educou os bonsais humanos que perpetraram o genocídio?

Qual a nossa parte de responsabilidade?

Quem pratica um modelo educacional “negacionista”, que provoca abandono intelectual, não estará a fomentar um genocídio educacional?

Se a praga do negacionismo pedagógico contribuía para manter práticas instrucionistas responsáveis pela hecatombe escolar, seria exagero estabelecer um paralelo entre a prática política e a prática educacional?

Era evidente que no modelo educacional imposto às escolas dos idos de vinte era causa de ignorâncias várias. Mas, vejamos o que diziam os especialistas:

“A avaliação científica dos dados em educação exige que posições contraditórias sejam observadas e não descartadas, a priori. Longe de julgar como negativos ou positivos, devemos relativizar os resultados, compreendendo a educação como fenômeno multideterminado, contextualizando, percebendo os avanços e recuos, pois haver um modelo em educação me parece um contrassenso.”

Compreendestes? Nem eu! 

Instalados numa cómoda pseudoneutralidade, os especialistas no blá blá blá teoricista prestavam um péssimo serviço à educação. E, quase sempre, se aliavam àqueles que, no ministério, disfarçavam os nefastos efeitos do instrucionismo contrapondo-lhe propostas meritocráticas. 

A meritocracia era um câncer educacional. Direta ou indiretamente, era causa de desigualdade social e econômica, e de exclusão e caos educacional. Das práticas instrucionistas estava ausente o conceito de bem comum. E a antiética competitividade negativa era apenas a “ponta do iceberg”.

A pretexto do “esforço pessoal”, da “busca de excelência” e da miragem da “ascensão social”, as paredes das escolas exibiam execráveis quadros de excelência e até havia um ridículo concurso do “professor nota 10”.

A reprodução de um modelo escolar e social meritocrático engendrava uma espécie de aristocracia hereditária. Aqueles que beneficiavam de mais fácil acesso à educação obtinham os melhores empregos, e, usufruindo de melhor educação, os seus filhos aspiravam a idênticos privilégios.

Sandel, um dos mais proeminentes filósofos do início do século, denunciava esse determinismo. Estatísticas nos mostravam que dois terços dos alunos de Harvard e Stanford eram provenientes do quintil superior da sociedade, medido pela renda, ao passo que apenas 4% dos estudantes das melhores universidades dos Estados Unidos tinham origem no degrau mais baixo. 

Seria uma questão de mérito? 

Por: José Pacheco

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