Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCXLV)

São Cristóvão, 13 de fevereiro de 2043

Vamos dar um nome (por agora, fictício) a um projeto, que foi verdadeiramente inovador e que acompanhei de perto: “Praticar Darcy”.

Esse projeto passou pela tradicional via-sacra dos processos de inovação educacional. Ainda “a procissão ia no adro” e já os “porquenãos” de serviço tentavam sabotar porfiados esforços de mudança. 

Recordo-me de um deles, quando, no decurso de uma reunião informal, insinuou ameaças e proibições. Era uma funcionária de alta patente, autoritária, habituada a fazer-se obedecer. Não me contive. E ela ouviu o que não estava habituada a ouvir. (Junto a esta cartinha um textinho a propósito, escrito em francês. Não o encontrei em português)

Em meados de fevereiro de há vinte anos, ainda não estava cumprida a primeira semana da formação em novas construções sociais e já chegavam notícias de reações em outros lugares. Um “superior hierárquico” lançava provocações:

“Não pode fazer isso! Tem de cumprir a lei da secretaria”

A funcionária confundia a Lei com a regulamentação instrucionista da secretaria. E insistia:

“Mais um projetinho? É isso? 

A resposta certeira foi dada:

“É o projeto da escola.”

“Mas esse nós já temos!”

“Temos, mas não o cumprimos”

“Como não cumprimos?”

Azar da funcionária! As professoras interpeladas tinham feito a “tarefa de casa”.

“Analisamos o projeto, fizemos um levantamento de valores, elaboramos uma carta de princípios. E verificamos que nenhum dos valores escritos está presente na prática de sala de aula. 

A nossa prática é contraditória. Por exemplo: está escrito que iremos fazer dos nossos alunos cidadãos autônomos. Em sala de aula, não se produz autonomia. O que se produz é heteronímia. Exatamente, o contrário!”

“Pois! É tudo muito bonito” – retorquiu a “superiora hierárquica” – “Mas os nossos alunos não sabem ser autônomos. Eles não se interessam por aprender, estão desmotivados.” 

Paradoxalmente, quando ele queixava de os alunos não saberem ser autônomos, mantinha-os em sala de aula, proibindo-os de serem autônomos. 

Como explicar a impunidade da manutenção de práticas que configuravam, a meu ver, falsidade ideológica? Talvez porque, no contexto de um modelo educacional hierárquico e autoritário, o exemplo “viesse de cima”. 

Nesse tempo, apesar de se dizer que vivíamos em democracia, o sistema de ensino estava organizado em “castas”. E, assim como havia “superior” hierárquico, também havia um ensino “superior”.  

Nunca entendi por que assim lhe chamavam, nem por que razão os ditos “superiores” auferiam salários muito “superiores” aos dos “inferiores”. Certo é que o ensino “superior” já tinha perdido o monopólio do saber e apenas mantinha o monopólio da diplomação. 

No campo das ciências da educação, a sofisticação do discurso contrastava com a miséria das práticas e, para desgraça nossa, essas práticas continuavam sendo matrizes impostas às escolas. 

Num livro publicado na segunda década deste século, li depoimentos de ilustres professores universitários. Pelo respeito que me merecem, não referirei os seus nomes, apenas os citarei para reiterar um velho preceito: a aprendizagem resulta do exemplo. Escutemo-los.

“Eu me esforço para dar uma aula e me irrito com o comportamento dispersivo dos alunos.”

“Não sei o que faria, hoje, se tivesse que voltar a dar aula na universidade!”

Consciente do drama por eles vivido, propus-me ajudá-los, partilhar com eles práticas coerentes com o discurso. Arrogantes, os “superiores” rejeitaram a ajuda. 

Apenas três manifestaram humildade, uma virtude que é apanágio dos sábios.

 

Por: José Pacheco

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