Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCLIII)

Rio Bonito, 21 de fevereiro de 2043

Neste ano da graça de dois mil e quarenta e três, celebra-se o vigésimo aniversário do fim do sistema de ensinagem, quando, definitivamente, a administração escolar abdicou de impor a razão da força, para fazer prevalecer a força da razão, quando educadores assumiram um compromisso ético com a educação. 

Nesses sombrios tempos, a voz do Mestre Pedro ressoava pelos corredores das escolas-casernas, desmontando uma farsa de séculos. 

“Os dados de “aprendizado adequado” disponíveis (Ideb) são kafkianos: em 2015, apenas 7.3% dos estudantes do ensino médio tiveram aprendizado adequado de matemática; a maior média ocorreu no DF, com 12.8% (foi de 31.5% em 1995!), e a menor no Maranhão, com 1.5%. 

Levando em conta que o Ideb não é um dado expressivo (acomoda-se em memorização de conteúdos, tendencialmente), a situação real é ainda pior. Citando o Enem de 2017, apenas 50 candidatos tiveram nota máxima em redação (dentre 5 milhões), sendo que 300 mil tiraram zero. 

É o resultado dos “Cursinhos”, que torturam milhões de estudantes para engolirem conteúdo que vão vomitar nos exames. 

Escola e universidade, são, essencialmente, isso. Nunca faltaram aula, prova e repasse. Ao contrário! 

Em 1997, logo após a LDB fixar 200 dias letivos, houve a maior queda pontual no Ideb. Em 2006, passamos o ensino fundamental de oito para nove anos, e o desempenho escolar nos anos finais só piorou, porque apenas aumentamos aula, sem tocar na aprendizagem. 

O INAF (Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional) do Ibope constata que, há duas décadas, brasileiros adultos “proficientes” (que sabem pensar, digamos), são 8%! 

O PISA 2015 observou que 44% dos brasileiros de 15 anos de idade, que participaram, ficaram abaixo do último nível de matemática (Brasil no PISA 2015, 2016).”

O kafkiano cenário descrito pelo Mestre Pedro seria motivo para secretários de educação e ministros corarem de vergonha. E eis que alguns se mostraram sensíveis à mudança. E eis que encontrei educadores dispostos a mudar. Já septuagenário, reesperancei. Ajudei a criar círculos de aprendizagem e protótipos de comunidade.

Os círculos poderiam ter duas origens. 

Primeira hipótese: 

Se numa escola ainda houvesse um professor vivo, ali se concebia a chamada “turma-piloto”. No projeto a que dei o nome de “Praticar Darcy”, três escolas se mostraram disponíveis para instituir “círculos de aprendizagem de proximidade”. Ainda hoje, sinto profunda gratidão, relativamente a esses corajosos mestres de chão de escola. 

Segunda hipótese:

Se todos os professores de uma escola já tivessem “morrido”, famílias conscientes dos malefícios do instrucionismo dirigiam-se à escola mais próxima das suas residências, solicitavam o acesso ao projeto político-pedagógico, observavam a prática.

Se a prática fosse coerente com o teor do projeto, nela efetuavam a matrícula dos seus filhos. Acaso acontecesse o contrário, exigiriam que o projeto se cumprisse. Não permitiriam que fossem metidos em salas de aula. Recomendariam aos professores a leitura do PP-P da escola e que agissem em conformidade.

Por altura do Carnaval de vinte e três, o círculo de aprendizagem estava constituído. Só faltava publicar a criação da escola pública com a designação “Comunidade de Aprendizagem”. Enquanto se esperava, as crianças foram matriculadas na escola pública mais próxima. 

Infelizmente, em algumas situações de manifesto autoritarismo, foi necessário reagir com desobediência civil serena, ponderada, fundamentada na Lei de Bases e na voz luminar do Mestre Pedro.

 

Por: José Pacheco

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