Volta Redonda, 23 de fevereiro de 2043
Ao cabo de alguns atritos, reuni pessoas (não nos esqueçamos de que escolas são pessoas!) e teve início um processo de transformação, que se prolongou por muitos anos. A segunda fase teve início quando senti que seria o momento de deixar que “o menino caminhasse pelo seu pé”.
Cortei o “cordão umbilical” com o primeiro círculo de aprendizagem (adoro aspas e metáforas, pois o essencial não cabe nas palavras). Mas, até hoje, decorridos vinte anos, continuo a ajudar aqueles que, tendo chegado ali crianças, hoje são adultos, pais de outras crianças.
Ainda vivo naquela casinha, que, com esmero, o Senhor Aldenir teve a generosidade de construir. E, quando o vosso avô for conversar com o Darcy, quem não tenha um teto poderá ir para lá morar.
Lamento que, pelo caminho, tivessem ficado pessoas que poderiam ter um papel importante no projeto. Como diria o Guimarães:
“O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.
O que Deus quer é ver a gente aprendendo a ser capaz de ficar alegre a mais,
no meio da alegria, e ainda mais alegre ainda no meio da tristeza!
A vida inventa! A gente principia as coisas, no não saber por que, e desde aí perde o poder de continuação porque a vida é mutirão de todos, por todos remexida e temperada.
O mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior: Viver é muito perigoso; e não é, não. Nem sei explicar estas coisas. Um sentir é o do sentente, mas outro é do sentidor.”
Nessa caminhada, a sabedoria do Mestre Pedro sempre nos acompanhou. Esse extraordinário ser humano era incômodo para aqueles que contribuíam para manter o status quo. Não hesitava denunciar, alicerçando a crítica numa ciência prudente.
“Estudantes são “vítimas de aula”, no sentido explícito de serem coibidos a frequentar passivamente sessões torpes de repasse estúpido de conteúdo.
O professor é movido pela compulsão de repassar o currículo previsto inteiro, completo, via aula sequencial, linear, positivista, confundindo este instrucionismo açambarcador com aprendizagem.
Uma escola onde quase ninguém aprende é uma fraude oficialmente cultivada, porque se ignoram as avaliações, e o sistema se reproduz, inclementemente.
Os recursos são jogados fora quase na íntegra, o tempo é malbaratado no professor e sobretudo no estudante. Este e suas famílias são ludibriados a sangue frio.
Todos queremos 10% do PIB investido em educação, mas não na arapuca atual.”
O Mestre Pedro agitava uma pantanosa normose. Acreditai que havia quem comemorasse uma subida do IDEB de 4 para 5, ou quem se vangloriasse de ter atingido o IDEB 9, naturalizando a ignorância. Pouca vergonha havia!
Até ao fim do mês de fevereiro, completamos a primeira fase da criação de uma Escola Pública. Cumprimos as tarefas inerentes à instalação de um protótipo de comunidade de aprendizagem, exatamente como uma secretaria de educação nos pediu que fizéssemos.
Ao GT das comunidades competia “a elaboração e ou adequação de normativa para a implantação e implementação de comunidades de aprendizagem”. Urgia modificar normativos, criar condições de autonomia, democraticidade, participação cívica. Urgia fazer ESCOLA PÚBLICA.
“Uma escola onde quase ninguém aprende é uma fraude oficialmente cultivada” – a voz denunciadora do Mestre Pedro era incômoda para criaturas autoritárias e corruptas, que diziam serem… educadores.
Por: José Pacheco
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