Orla do Parque Nanci, 18 de março de 2043
Mais uma vez, a fútil polêmica em torno do “ensino médio” dos idos de vinte e três. Recupero um naco de prosa contido no manifesto pela sua revogação:
“Essa parte diversificada do currículo tem, supostamente, o objetivo de preparar para o mundo do trabalho. Ocorre que, para a maioria das profissões, é necessário fazer estágio, cursar determinados conteúdos, além de outras regulações profissionais. Nada disso é proposto na reforma.
Como a quantidade de aulas de suas matérias foi reduzida, os professores pegam muito mais turmas para completar a jornada, aumentando enormemente seu cansaço, tornando inviável conhecer seus alunos.”
À semelhança de outros papeis, que encontrei no baú das velharias, este textinho refletia uma visão tacanha do que fosse currículo, que não contemplava a dimensão da subjetividade e do projeto de vida dos jovens. Nesse tempo, a “preparação para o trabalho” era objeto de “preparo” em sala de aula para profissões que, decorridos dez anos, já não existiriam. E os jovens eram compelidos a ser designers de si próprios, de aprender a se adaptar a múltiplos ofícios, algo que a escola da sala de aula não propiciava.
Por que se continuava agindo, escrevendo, planejando para um “aluno médio” de um “ensino médio”, inexistente? Por que se impedia que o aluno objeto se assumisse como sujeito de aprendizagem?
Foi longa a jornada de ultrapassagem de um discurso semeado de abstrações: “turma”, “matérias”… “aluno médio”.
Quando eu esperava que os acadêmicos, cientificamente, se manifestassem, apenas surgiam manifestos de boas intenções, mas meros “fogos de palha”.
Li num “manifesto” publicado em 2021:
“Nós, professores envolvidos em projetos e ações para uma educação democrática e humanizadora, queremos expressar aqui nossas preocupações em relação ao trabalho dos educadores em face do que vem acontecendo, neste momento, em nosso país, na política, na economia e, principalmente, na saúde e na educação.”
Pois, pois… Como diria um português que eu conheço. De boas intenções estava o inferno cheio. A “educação democrática e inovadora” jamais seria possível no contexto de escolas de sala de aula, que os acadêmicos diziam ser… inovadoras. A academia se convertera em mais um obstáculo à humanização da aprendizagem.
Por essa altura, o Mestre Pedro denunciava as péssimas condições da escola instrucionista. Dizia não existir um projeto de mudança satisfatório, parecendo que a escola que tínhamos era um modelo intocável.
Num célebre texto com o título “EDUCAÇÃO À DERIVA: instrucionismo como patrimônio nacional”, o Mestre Pedro escreveu:
“O sistema educacional mostra aberrações inomináveis em termos de qualidade da aprendizagem, que persistem arraigadas, não comparecendo, contudo, gesto minimamente adequado de mudança. Em especial no ensino médio, o aprendizado de matemática é insignificante: foi de 9.1% em 2017; 90% dos estudantes não aprenderam; quase todos. No Enem, apenas 53 estudantes obtiveram nota máxima em redação, dentre 4 milhões de participantes; quase ninguém.”
Alheia aos trágicos indicadores e à avisada voz de Pedro Demo, a administração educacional tentava colmatar defeitos instrucionistas, injetando nas escolas “ensinos híbridos” e outras inutilidades, desperdiçando recursos e vidas.
Mas as ideias arejadas são peregrinas, permitem que a humanidade refunda o seu complexo percurso. Houve professores que ousaram interrogar-se e interrogar:
“Por que há ensino médio? Por que há salas de aula?”
Ninguém soube responder.
Por: José Pacheco
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