Morada das Águias, 5 de abril de 2043
Nada acontecia por acaso, somente por sincronicidade. Aquela era a Morada da Águias, o lugar de “voar mais alto”. E me dispus a recorrer a personificações, tal como no livro que escrevi para ti, Alice. No “Para Alice, com Amor”, me refugiei em metáforas, para não enlouquecer. Nesse livrinho, te descrevi a gaivota, o “Pássaro Encantado”, o pelicano, o sabiá…
A Escola deixara de fazer sentido e eu me perguntava se faria sentido ficar parado, a ver passar tempos de mudança. Assim como um senhor chamado Vieira (de que vos falei, ontem) pregava aos peixes, por serem os humanos incapazes de ouvir, nesse tempo, o teu avô enviava recados às aves, porque muitos professores já não sabiam escutar.
Foi na Escola Ataliba que conheci a Comunidade de Aprendizagem da Morada das Águias. A diretora Mariângela dispunha de uma bela equipe. A excelentes educadoras como a Janaína, a Hélke, a Karoline e a Isabel, se juntaram a Josilene e a Christiane, no início daquilo que viria a ser o primeiro protótipo de comunidade de Itaipuaçu.
Importa recordar fatos e protagonistas de inovações de há vinte anos, para que a memória de tempos difíceis não se apague. E, porque sempre que educadores éticos se disponibilizavam para empreender caminhos de mudança, logo surgiam obstáculos por muitos julgados intransponíveis.
O primeiro dos obstáculos era eu, era cada um de nós. Acompanhando o processo de desconstrução e reconstrução cultural das educadoras, precisei de me desconstruir e pôr à prova tudo aquilo que tinha sido a minha formação experiencial. Precisei de criar distância física, tirando partido da Internet, para não cair na tentação de influenciar e até mesmo, involuntariamente, impor práticas que eu considerava “eficientes e eficazes”.
O segundo obstáculo era algo amargo. Se o maior aliado de um professor era o outro professor, o maior inimigo do professor que ousava mudar era outro professor, o da sala do lado. Foram muitas as pequenas e grandes traições, as deslealdades sofridas. Mas, tudo a equipe da Mariângela suportou e ultrapassou.
As estórias, que vos contei, há mais de quarenta anos, começavam deste modo:
“Era uma vez, um reino encantado, junto ao mar. Encantado, porque uma fada má transformara todos os seus habitantes em pássaros. Junto ao mar, porque convém ao enredo da história”.
Dessa vez, a estória também começava junto ao mar de Maricá e no sopé de uma montanha de Itaipuaçu, onde a águia morava.
A águia é considerada a rainha dos céus. Muito mais do que um ser humano dito “normal”, ou do que o vosso estrábico avô, a águia tem uma visão de 340°, uma visão HD. Além de enxergar em distâncias, que a visão de um ser humano jamais conseguiria alcançar, a águia distingue cores que nós não conseguimos ver. E, também, possui uma audição incrível.
Apesar de ser considerada ser irracional, possui belos traços de comportamento. A águia não sente medo. Vive em topos de montanhas, voa em grandes altitudes. E durante uma tempestade, não para, usa o vento forte para alcançar mais altitude.
Não come carne morta. E, apesar de ser tida como impiedosa, quando se trata de seus filhotes, a águia é muito cuidadosa e protetora. Em condições extremas, como o frio e muita chuva, nunca abandona o ninho. O águia macho cuida dos filhotes e permanece ao lado deles o tempo todo, mesmo nas primeiras tentativas de voo da sua prole. Até os filhotes começarem a se virar sozinhos, “dividem” as tarefas.
Quando a sua vida está perto do fim, isola-se em montanhas altas e espera os seus últimos momentos.
Netos queridos, eu sei que entendestes a mensagem.
Por: José Pacheco
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