Jaconé, 6 de abril de 2043
Jaconé era um bairro limítrofe dos municípios de Saquarema e Maricá, lar de pescadores e surfistas. Das três escolas que por lá havia, uma delas se integrava no município de Maricá, num bairro chamado “Coreia”, um bairro banhado pelo final da Lagoa de Saquarema. Na sua praia, as famosas “beach rocks”, citadas por Charles Darwin, eram atrativas para pesquisadores.
A manhã deste dia de há vinte anos, mostrou-se auspiciosa. Entre o entusiasmo da diretora Raquel e o receio misturado com a prudência da Rosane, a Escola Dilza Rego passaria a ser o berço de mais um protótipo de comunidade.
A equipe de projeto se completaria com a Cláudia e a Gláucia, mãe de um lindo menino e agente cultural especializada em saúde pública. As “triangulações” a operar estavam presentes: Família-Sociedade-Estado (através da Escola); Poder Público-Universidade-Comunidade; Escola-Saúde Pública e Ambiente-Arte e Cultura.
O estabelecimento de uma relação de ganha-ganha com as famílias dos alunos e a integração comunitária do projeto permitiram ultrapassar dificuldades de comunicação. E a Equipe de Educação Humanizada (a que eu me orgulhava de pertencer), solidariamente partilhou saberes.
No mesmo dia em que nascia mais uma comunidade de aprendizagem, quatro crianças eram assassinadas por um tresloucado. Nesse dia, a Amanda não conseguiu realizar o habitual encontro no Instagram. Ser humano dotado de uma sensibilidade extrema, deste modo manifestou a sua tristeza e indignação:
“A gente não pode ignorar o que está acontecendo. O mundo está doente. A sociedade está doente. As pessoas estão adoecendo, cada vez mais agressivas.
Toda essa indignação que a gente está sentindo não pode ficar pelas ideias e ser esquecida na semana que vem. É preciso olhar para essa loucura, esse caos, e saber que caminho a gente precisa construir.
Um caminho! Não mais um paliativo! A escola que, em tese, deveria ser o espaço do acolhimento, de escuta, de diálogo e referencial de construção de humanidade está sendo um palco de violência.
Quem trabalha com a educação precisa começar a questionar, a perguntar:
“Por que está acontecendo?”
Saber qual é a nossa responsabilidade. Porque educar é saber criar relações.”
Os políticos e os administradores do sistema talvez não tivessem escutado a Amanda. Um coro de lamentações se levantava, cada vez que um ato de violência era perpetrado. E as declarações públicas eram réplicas de anteriores situações:
“Massacre em creche de Blumenau força autoridades a tomar providências.”
“Congressistas pressionam por leis mais rigorosas contra violência em escola.”
“Lula exige medidas urgentes contra violência em ambiente escolar. Presidente convoca reunião extraordinária, cobra ações, e ministros anunciam liberação de verba para reforçar rondas escolares.”
Mais medidas paliativas, mais punições, mais policiamento… Enfim!
Por seu turno, os acadêmicos muito escreveram sobre a origem, as causas, as consequências da violência. Numa breve busca, achei centenas artigos e teses sobre a violência intramuros das escolas. O diagnóstico estava feito. Todos os tratados que visavam acabar com a violência já estavam escritos. Só faltava acabar com a violência.
Ela crescia no seio da família, socialmente medrava, e adentrava os muros das escolas. Mas, nesse dia de há vinte anos, uma escola de Jaconé inaugurava um tempo de paz. De lá, recebi esta mensagem:
“Gratidão, Mestre! Estive esperando minha vida inteirinha. E nada, nada mesmo acontece por acaso. Eu creio! Toda minha gratidão a você e à sua equipe.”💓
Por: José Pacheco
131total visits,4visits today