Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCXCIX)

Ilhéus, 9 de abril de 2043

Netos queridos, votos de uma Páscoa feliz e regeneradora! Perdoai que esta cartinha seja, mais ou menos, “intimista”. E que comece deste modo:

“Zé, tu és teimoso. Para com isso! Vais continuar assim, neste desgaste contínuo? O meu marido até já disse que assim não dá. Tu vais mesmo continuar?”

“Vou.”

A vida de andarilho com pretensões de inovador era profissão de alto risco. A maldade corroía as intenções de mudança. E aquilo que mais abalou os projetos não foram os ataques sofridos vindos do exterior. Projetos pereceram, quando a maldade provinha de dentro. Como no projeto de Maricá, que vos hei-de contar, um dia e que só a intervenção da Equipe de Educação Humanizada impediu que, também, sucumbisse. 

Compreendi que chegava um tempo de transição, de sair de cena e “passar o testemunho” àqueles educadores, com quem aprendi a recomeçar, após cada contrariedade. 

Quando, em 1976, cheguei à Escola da Ponte, eu já havia vivido muitas situações de insucesso pessoal e de frustração profissional em outras escolas. A solidariedade de um círculo de estudos permitiu transformar a acumulação de insucessos numa gramática de mudança.

As vias-sacras sempre desembocavam em renovação. Entre a escola e a casa, eu chorava por dentro. Quando chegava a casa, fechava-me no escritório, colocava o vinil a tocar o segundo andamento da Sétima de Beethoven. Depois, mudava de roupa, que aquela que vestia estava encharcada de lágrimas. 

No dia seguinte, tudo recomeçava. A minha resiliência se juntava à resiliência da equipe, e recomeçávamos mais fortes do que antes. 

Nos idos de vinte, foram muitos os dias em que quase estive para desistir da vida que levava. Desgastava-me em longas viagens, desperdiçava os meus parcos recursos num afã desgastado por pequenas e grandes deslealdades. Eram dolorosas aquelas que vinham “de dentro” e que punham em causa a autonomia dos projetos. 

Fundamentado na lei e numa ciência prudente, eu reivindicava o exercício de autonomia administrativa e pedagógica. Quando me sentia hesitar, quase a desistir, recomeçava, valendo-me da inestimável solidariedade de uma equipe, que assumiu o acompanhamento dos projetos. E, por meados de vinte e três, pude começar a desaparecer, a cultivar o dom do desapego.

Por que estou a mostrar a humana fragilidade? Para que compreendais que os projetos humanos são atos coletivos. No início de cada projeto, compreendendo o medo e respeitando a atitude conservadora daqueles professores que não queriam mudar, recomeçávamos a partir do que éramos, com o pouco que sabíamos, valendo-nos da intuição e da amorosidade, que nos moviam.

Eram vários os caminhos, apenas seria preciso que um núcleo de projeto desse os primeiros passos. Apenas seria preciso que houvesse numa escola um educador, que “ainda não tivesse morrido” e decidisse recomeçar um projeto de vida pessoal e profissional. 

Projetos nasciam de necessidades, desejos, problemas, sonhos. De interrogações, que requeriam respostas científica e legalmente fundamentadas. Muitos educadores já tinham reaprendido a fazer perguntas. E eu esperançava, quando acolhia depoimentos como este:

Pensamos em desistir várias vezes e retornar ao caminho antigo. Então, fomos criando estruturas organizacionais, que nos permitiram interagir em novas formas com as crianças.” 

Mais uma vez, a intuição e a amorosidade se juntavam à decisão ética de educadores conscientes de que, para uma nova Humanidade, seria necessária uma nova educação – e, para uma nova educação, uma nova construção social de aprendizagem.

 

Por: José Pacheco

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