Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCXXXII)

Chapim de Odivelas, 12 de maio de 2043

Conheci muitos professores que, sem abdicar do trabalho em sala de aula, operaram pedagógicos “milagres”. Porém, nada deixaram escrito e se foram para a aposentação. Um imenso patrimônio jaz no limbo das ciências da educação e apenas alguns estudos de caso conduzidos por teoricistas de ocasião logram revelá-lo. 

Outros, como a minha amiga Manuela, ergueram freinetianas ilhas de excelência acadêmica cercadas de instrucionismo por todos os lados menos por um: o MEM. Após dezenas de anos de intenso e profícuo labor, lá se foi, aposentada, e a sua sala de aula se afunda nas águas turvas do instrucionismo. 

Ainda havia aqueles que, como o meu amigo António, a duras penas, conseguiram “levar a água ao moinho”, arrastando professáurios para práticas inovadoras fundadas numa legalidade comedida, aquela que, prudentemente, consideravam ser possível. Chegada a hora da aposentadoria, os seus antigos colegas logo fizeram regressar a sua escola à modorra habitual, deitando por terra todo e qualquer vestígio de inovação.

Década após década, as escolas onde generosos e voluntariosos educadores aportaram e, de algum modo, inovaram viraram cemitérios de generosas intenções. Até ao dia em que nos cansamos de derrotas morais. 

Em breve, vos contarei estórias de educadores de malogrados intentos. Hoje, é chegada a vez de vos falar de um pioneiro de Educação Nova, que, à semelhança de muitos outros insignes mestres, foi ostracizado. Não fora a Dora e o Alessandro, e a memória de Eurípedes Barsanulfo se perderia 

Em 1907, um decreto determinava uma ampla reforma na educação mineira visando a efetiva concretização uma educação integral numa escola ativa (onde foi que eu já ouvi isto?). Já na segunda metade do século XIX, havia debates em torno da importância da mudança na educação. O Rui Barbosa, por exemplo, mostrou-se empenhado num projeto de modernização do país, propôs um sistema nacional de educação, desde o jardim da infância até a universidade, e defendia uma reestruturação completa do ensino, desde métodos até a construção de prédios. 

No tempo de Eurípedes, as tendências humanistas, a realista-científica, a positivista, as marginalizadas propostas anarco-sindicalistas e anarco-socialistas, e a génese do escolanovismo dominavam os debates.  E a sua influência se fazia sentir, mantinha atualidade nos idos de vinte, ainda que revestida de digitalidade e modismos neoliberais.

Cada qual, a seu modo, perspectivava uma educação integral, o desenvolvimento simultâneo de aspectos morais, intelectuais, físicos, espirituais, o respeito pelo pleno desenvolvimento da pessoa, a abolição de castigos e recompensas, a valorização da infância, e uma outra formação de professores. 

Eurípedes mobilizava a comunidade, para que ajudasse as famílias das crianças mais carentes. Havia muitas crianças negras matriculadas e vários professores negros compunham o quadro de professores da sua escola, num tempo em que os discursos racistas, com influências eugenistas, eram comuns e os negros eram marginalizados. 

Os dias de apresentações de teatro eram dias de festa. O amigo Bigheto me contou que os alunos do Colégio Allan Kardec confeccionavam belos cenários e toda a comunidade participava: 

Eurípedes incentivava a participação dos alunos em ações sociais e os jovens aprendiam a moral na prática comunitária. Em 1907, quando uma Maria instalava a Scola dei Bambini em comunidades carentes da Itália, um Eurípedes esboçava, em Sacramento o arcaboiço de uma nova construção social de aprendizagem. 

 

Por: José Pacheco

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