Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCXLII)

Casal dos Ledos, 22 de maio de 2043

Calhou de estar envolvido em formação, num tempo em que acreditava que se poderia formar professores. Decorria o ano de 2007, se não me falha a memória. No intervalo da ação de formação, saí para arejar e comprar livros. Quando vasculhava as estantes de um sebo, deparei com um título comum de um livro, que nada tinha de vulgar: “A Escola Secundária Moderna”. 

O mestre Lauro tinha escrito um tratado, onde vertera um pouco da sua sabedoria. Procurei outros títulos do autor e apenas encontrei “A Escola para a Comunidade”. 

Europeu etnocêntrico, eu estava crente de que tivessem sido os anglo-saxônicos e os catalães os primeiros a escrever sobre comunidades de aprendizagem. Puro engano! No sul da América, trinta anos antes da construção teórica do Ramon, Lauro apontava caminhos para a transformação da escola em nodo de comunidade de aprendizagem: 

A expressão escola de comunidade procura significar o desenquistamento isolacionista da escola tradicional. Escola, no futuro, será um centro comunitário. Não se reduzirá a um lugar fixo murado”. 

Voltei ao local do encontro de formação, feliz pelo encontro com a obra de mais um ilustre Mestre brasileiro. Perguntei a mais de uma centena de professores, ali presente, se alguém sabia do paradeiro do Lauro. Ninguém sabia. Nem sequer tinham ouvido falar de tal nome.

No final do dia, após a saída dos formandos, uma senhora chegou para limpar o salão, varrer, apanhar e jogar copos plásticos e restos de guardanapos no balde do lixo. Aproximou-se e perguntou:

“O senhor doutor perguntou pelo professor Lauro? Eu sei onde ele mora. É no Recreio dos Bandeirantes”.

Aquela senhora o conhecia e indicou-me o endereço da casa, que visitei no dia seguinte. Mantive com o Mestre uma saborosa manhã de conversa. Dali fomos para a “Chave do Tamanho”, onde conheci a Beta, sua filha, e reconheci Piaget, nos mínimos detalhes da vida daquela escola. O bate-papo a três se estendeu por toda a tarde. E o amigo Lauro reiterava a crítica da escola da sala de aula: 

Encontramos escolas como verdadeiros quistos sociais, sem nenhuma relação real com o meio; estas escolas fechadas são elementos perniciosos para o meio. Museus, bibliotecas etc., estando à disposição de todos, deve a escola ensinar o povo a utilizar-se desses instrumentos de cultura (…)  aí se inicia uma escola; todos os serviços escolares, toda a estrutura administrativa, toda a legislação escolar, toda a burocracia resultam à posteriori deste fenômeno primário; cada membro da comunidade, para além da responsabilidade pessoal e social, tem compromisso com as novas gerações.”

Em 2012, a Escola do Projeto Âncora quis homenagear um dos maiores educadores vivos. O Lauro estava muito doente, sem condições de se deslocar do Rio a Cotia. A Beta, sua filha o representou, numa festa organizada pelas crianças. No final, os alunos do Âncora entregaram à Beta umas “cartinhas para o amigo Lauro”. 

Recordo uma manhã de trabalho no Âncora, em janeiro de 2013, quando a Internet nos trouxe a notícia do falecimento do Mestre. Voltei ao Rio e à escola do Lauro, para saber como poderia ajudar a Beta a continuar a obra do seu pai. Era grande a consternação. E era imensa a minha indignação, por saber de uma morte anônima. Nem uma notícia de jornal, nem uma homenagem póstuma a um dos maiores educadores do século XX e XX!

Desde o escolanovismo, o anonimato e o esquecimento era a sina de educadores que contestavam o sistema de ensinagem. 

Quanto professores portugueses teriam lido, ou ouvido falar de Faria de Vasconcelos, de Adolfo Lima, de Irene Lisboa…?

 

Por: José Pacheco

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