Florianópolis, 10 de agosto de 2043
Escreveu Caeiro que “não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma”.
Faltavam três dias para o “Dia D”. De um D de Diálogo. Do D de Doze de agosto de há vinte anos. E eis que recebo a quarta missiva da Dora.
Dora era uma mãe resiliente, que não se resignava, face ao autoritarismo de lideranças tóxicas. Consciente do direito que lhe assistia de proteger o seu filho de perniciosas práticas, propôs-se dialogar com a direção do “agrupamento de escolas”. Quisera a Dora que o diretor a soubesse escutar. E me fez recordar as sábias palavras do amigo Rubem:
“Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular. Escutar é complicado e sutil…
A saga da Dora me suscitou curiosidade e me levou a propor o diálogo com um diretor de agrupamento e a elaborar um “estudo de caso”, de que, talvez, vos venha a falar. Para já, apenas vos darei a conhecer alguns excertos de cartas enviadas pela Dora a esse diretor e a este vosso avô.
“Bom dia, Professor! Espero encontrá-lo bem. Venho atualizar o processo do Damião, que infelizmente não tem ido a bom porto. A matrícula (…) foi recusada.
Sei isto, porque apareceu listado na turma da Escola Básica, ou seja, a escola anterior. A Direção da escola nem chegou ainda a responder.
Sabe, ele até pode ficar nessa escola este ano, mas não me apetece ficar sossegada com esta decisão. Quero mesmo fazer alguma coisa, porque há imensos miúdos a serem privados de melhores condições por causa destes caprichos.
Venho assim, pedir-lhe algum conselho, no sentido de “a quem chatear a seguir”? Estou por tudo!”
A mãe Dora “estava por tudo”. Perdera a paciência e “queria chatear”. Importará falar dos antecedentes, numa resenha de trocas epistolares. Respeitosamente, a Dora assim se dirigira ao Diretor do Agrupamento:
” (…) terá de concordar comigo que retirar um aluno da comunidade onde vive e colocá-lo numa outra a 15 km de distância, obrigando a uma logística de transportes pesada não será, de todo, uma solução que consideremos saudável.
Não nos oporíamos a que os nossos educandos fizessem o mesmo, caso considerássemos que a oferta que iriam encontrar fosse uma mais-valia para o seu percurso escolar. No entanto, existindo a oferta em que acreditamos na comunidade e localidade onde estamos inseridos, não faz sentido essa deslocação.
Assim e voltando à questão inicial, voltamos a pedir-lhe que nos responda a algumas questões legais, que nos permitam entender as suas reais dificuldades e, com base nas mesmas, podermos colaborar na construção de possíveis soluções.
A Mãe Dora formulou algumas perguntas:
Por que havia “turmas”?
”Por que não havia “vaga”?
Qual o fundamento científico, que estabelecia o número máximo, ou mínimo, de alunos por turma? Porquê 24 alunos, e não 22 ou 26? Quais os critérios definidores desses limites?
Com pertinência, questionava: se o sistema se organiza em ciclos de aprendizagem, por que havia “anos de escolaridade”?
E rematava dizendo que a existência de turmas em sala de aula era contrária à construção social de aprendizagem, que a própria escola referia no seu projeto educativo. A resposta da Direção do Agrupamento foi nenhuma. A Dora tinha razão, mas a sua argumentação foi ignorada.
Havia diretores e diretores. Aqueles que intentavam colocar as suas escolas no século XXI e outros, que as mantinham no século XVIII, pois não sabiam escutar.
Por: José Pacheco
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