Mendes, 19 de agosto de 2043
Estávamos em agosto de vinte e três. Mais um processo de auto-formação-com-o-outro começava. Encontrávamo-nos nas manhãs de sábado (nas tardes, em Portugal), mas o tempo entre encontros era, também, de formação, porque a mudança, como diria Ardoino no seu “Propos actuels sur l’éducation”, não poderia ser promovida somente de fora, ao nível das superestruturas e dos decretos institucionais, se não fosse, ao mesmo tempo, no interior, pelas vozes daqueles que a ela aspiravam e que a iriam, finalmente, exercer.
Certo é que, numa formação de caráter isomórfico, foram operadas profundas transformações, muitas “turmas-piloto”, muitas escolas, universidades, agrupamentos de escolas, secretarias de educação e educadores empreenderam caminhos novos, a mítica “escola do futuro” aconteceu no presente. Pois, como diria o meu saudoso amigo Steve Stoer, seria inútil formular projeções sócio históricas, porque não havia na história dos profissionais da educação um futuro pré-determinado. O amanhã seria o resultado aproximado de opções tomadas no hic et nunc do chão de escola.
Sempre fui avesso ao uso do jargão científico. Abrirei uma exceção, para citar palavras de um jovem centenário de nome Edgar, que, há cerca de vinte anos, legitimava as nossas opções formativas:
“Como nossa educação nos ensinou a separar, compartimentar, isolar e, não, a unir os conhecimentos, o conjunto deles constitui um quebra-cabeças ininteligível. As interações, as retroações, os contextos e as complexidades que se encontram na man’s land entre as disciplinas se tornam invisíveis.
Os grandes problemas humanos desaparecem em benefício dos problemas técnicos particulares. A incapacidade de organizar o saber disperso e compartimentado conduz à atrofia da disposição mental natural de contextualizar e de globalizar.
A inteligência parcelada, compartimentada, mecanicista, disjuntiva e reducionista rompe o complexo do mundo em fragmentos disjuntos, fraciona os problemas, separa o que está unido, torna unidimensional o multidimensional. É uma inteligência míope que acaba por ser normalmente cega. Destrói no embrião as possibilidades de compreensão e de reflexão, reduz as possibilidades de julgamento corretivo ou da visão a longo prazo”
Na França dos “sete saberes necessários à educação do futuro”, o Mestre Morin apontava caminhos que um visionário de nome Darcy tentou percorrer. Em Mendes se partiu de um tempo distópico para o anúncio e consolidação da utopia sonhada por Darcy. A Escola Pública de Anísio e Darcy ressurgia, num país que exilara a geração de ouro dos pioneiros do escolanovismo. Ao seu labor, juntávamos contribuições do paradigma da comunicação. E a primorosa equipe da secretaria de educação se preparou para ser um dos polos de referência de uma apenas sonhada nova construção social de aprendizagem.
No “Encontro de Mendes” de 83, visava-se concretizar diretrizes educacionais, num processo amplamente participado. Concluiu-se que a “escola pública” se desenvolvera alheia a realidade locais, que era uma “grande peneira de alunos”, e que se “culpabilizava” os professores pelo insucesso causado pela escola da sala de aula.
No novembro de 1983, Mendes acolheu o Mestre nascido em Montes Claros. Em Brasília partiu para junto dos companheiros Florestan e Anísio, sem ter concretizado os seus desígnios. No novembro de há vinte anos, educadores românticos a Mendes acorreram, para celebrar a darciniana utopia – mais um ENARC, mais um tempo de fraterna partilha de dificuldades e êxitos.
Por: José Pacheco
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