Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCXXXIII)

Lagoa das Amendoeiras, 21 de agosto de 2043

O Senhor Wilson nos levou até Mendes. Por lá ficamos três dias, aprendendo. O Senhor Orlando de lá nos trouxe. E a Vovó Ludi tivera ensejo de um primeiro contato com a Equipe de Educação Humanizada e com a equipe de uma secretaria de educação fadada para ficar na história. 

A Maria Paula não estava sozinha. A Adélia, o André, o Luís, dezenas de secretários de educação brasileiros e diretores de agrupamento portugueses partilhavam a decisão de não mais esperar, agiam. Tal como a Ponte agira, meio século antes, de um modo que António Nóvoa deixara claro, num solidário artigo:

“A Escola da Ponte não se constituiu em mais um “fait-divers”. 

Exatamente! A Ponte sempre incomodou os acomodados, por ser um verdadeiro analisador da realidade educativa. Não se tratava de colocar mais um remendo num andrajoso modelo educacional, mas do resgate do significado da expressão “Escola Pública”. A Ponte afirmava a possibilidade da excelência académica com inclusão social. Reafirmava a possibilidade de a todos assegurar o direito à educação… em autonomia. O exercício de autonomia era condição sine qua non de mudança e de inovação. 

Recusamos o faz-de-conta da autonomia que o ministério oferecia. Desde a primeira hora do “Fazer a Ponte” reivindicamos o estatuto de “viveiro de futuro” (expressão usada por um dos muitos estudiosos que, nas décadas de setenta e oitenta à Ponte acorriam). Mas, somente ao cabo de 28 anos, a nossa escola foi, oficialmente, reconhecida como autônoma. 

Netos queridos, dissestes ter gostado de algumas cartinhas “fofas” (expressão vossa) e esperançosas. Lamento ter de vos dar a conhecer, nesta cartinha, uma realidade para além da “fofura”, pois foi bem dura a labuta daqueles que, como o vosso avô, arriscaram inovar – inúmeros obstáculos enfrentamos.

Darcy Ribeiro realizou um diagnóstico dos obstáculos cruciais enfrentados por uma verdadeira Escola Pública. Para o Mestre, o maior dos obstáculos seria a nefasta ação de um certo tipo de intelectual: o áulico, corresponsável pela legitimação “cientifica” de trágicas decisões de política educacional.

Os áulicos infestavam ministérios, certas secretarias e outros lugares mal-frequentados. Presidiam a comissões de “especialistas”, exibiam-se em gongóricas e anestesiantes palestras, nos palcos de inúteis congressos.  Prosperavam, vivendo à sombra do poder, produzindo ideias irrelevantes, planos inconsequentes, contribuindo para destruir qualquer esboço de inovação. Manifestavam peculiares sintomas de esquizofrenia, pois diziam que o aluno deveria estar no centro do processo de aprendizagem, enquanto praticavam ensinagem, em aulas centradas… no professor. 

Talvez nem fosse esquizofrenia, mas o comportamento antiético de quem, sendo conhecedor dos maléficos efeitos de práticas fundadas no paradigma da instrução, contribuía para as manter. Em assessorias e coordenações de projetos da iniciativa do sistema, os áulicos legitimavam paliativos de um esclerosado modelo educacional, pecando por omissão, cumprindo o vil papel de evitar que mudanças acontecessem.

Estávamos conscientes dos obstáculos a ultrapassar. Sabíamos que, se o maior aliado de um professor era outro professor, também sabíamos que o maior inimigo de um professor ético, era… outro professor. Mas, a crise ética era, também, tempo de oportunidades. E nada era mais concebível do que o inevitável aparecimento de um instinto de verdade honesto e puro. Foi por essa altura que aconteceu o que vos irei contar nas próximas cartinhas.

 

Por: José Pacheco

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