Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCLXVI)

Bocaina de Minas, 23 de setembro de 2043

Apesar da Escola, havia seres humanos que conseguiam aprender a ser, no acaso (ou sincronicidade?) do encontro com professores humanizadores. Ser professor humanizador era profissão de risco. Para que conste, o vosso avô quase foi assassinado, só por ter modificado um pouco a sua prática.

No tempo em que realizávamos os “encontros de sábado”, projetos como o de Mirantão eram alvo de calúnias. E, de um dia para outro, qualquer burocrata ou politiqueiro poderia pôr ponto final na inovação. 

Contrariamente ao que palestrantes teoricistas propalavam, as escolas não eram autónomas. Se o diretor tinha dever de obediência hierárquica, cadê a autonomia da escola?

Um dos primeiros passos da criação de uma nova construção social seria o da reivindicação de autonomia. A lei o sugeria. A dignidade profissional dos professores a requeria. Foram elaborados regimentos (regulamentos, em Portugal) internos. E minutas de termos de autonomia (contratos, em Portugal) foram entregues à direção, gestão e administração das escolas. Esses documentos eram acompanhados de uma proposta de negociação, e sugeriam um processo de autonomização por etapas.

A autonomia pedagógica seria a primeira. Sustentada na lei e nas ciências da educação, criaria condições do exercício da autonomia administrativa e, mais adiante,  a financeira. 

Algumas armadilhas legalistas tivemos de enfrentar. Burocratas alegavam que a lei não tinha sido regulamentada. Mas, ao longo de décadas, nunca se tinham preocupado com a regulamentação. A pretexto de regulamentações de caráter técnico-administrativo, de inspiração instrucionista e contrárias ao espírito da Lei de Bases, recusavam dialogar, ou adiavam quanto podiam a conclusão das negociações.

A Escola da Ponte gastou vinte e oito anos para alcançar o estatuto de autonomia. Porém, os projetos de há vinte anos eram concebidos no formato de uma nova construção social e não dependiam de adiamentos ou autorizações.

Nesse tempo, quase todas as escolas funcionavam à margem da lei. Leia-se: Constituição, Lei de Bases, projetos das escolas. Nenhuma dessas leis eram cumpridas. No quadro do velho e obsoleto sistema de ensino, eram claros os indícios de ineficiência administrativa, de falsidade ideológica, de corrupção passiva ou ativa, de assédio moral e, sobretudo, de abandono intelectual.

O Ademar estabelecia um metafórico paralelo entre a atividade dos áulicos e burocratas da educação, e o naufrágio do Titanic. 

“A obsessão do luxo e da imponência embriagou os pais do Titanic, levando-os a produzir um verdadeiro monstro com pés de barro. O capitão do navio nada fez para prevenir o naufrágio. Ele fora avisado várias vezes da presença dos icebergs e do perigo que eles podiam representar para a segurança do navio. Ainda assim, persistiu na rota suicida e, não contente com isso, na madrugada fatídica, deu ordem para acelerar a velocidade do navio. 

A colisão era inevitável e a tragédia humana também. O navio partira com um número extremamente reduzido de botes salva-vidas. Uma patética sucessão de erros, ilusões e imprevidências escreveu o destino trágico do Titanic e das mil e quinhentas pessoas (quase todos os passageiros que viajavam em segunda e terceira classe) que, nessa madrugada de abril de 1912, perderam a vida, algures, no Atlântico.”

O “sistema” entrara numa “rota suicida”. Os “botes salva-vidas do “sistema” (leia-se: reformas e projetos paliativos) tinam sido esgotados. E o número de vítimas do “sistema” não se contava por milhares, mas por milhões.

 

Por: José Pacheco

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