Novas Histórias do Tempo da Velha Escola (MCCCXC)

Eunápolis, 17 de outubro de 2043

Notícias de guerra chegavam em catadupa, notícias de sofrimento e morte, lá para os lados do Oriente. Sofrimento e morte, cá dentro. Enquanto caminhávamos, fomos escutando queixas e súplicas:

“Ó dotor, me dá sete reais para mim comprar arroz, p’ra mim comer.”

“Tio, a polícia matou o meu pai! Tio, a polícia matou…!”

Debaixo de um velho e carcomido toldo, saiu uma criança portando mochila. Caminhando sob um sol abrasador, diz-nos que “vai p’ra escola”. 

Irá passar algumas horas a copiar o que a professora escrever no quadro negro. Nada aprenderá, mas terá direito a uma refeição. Ao fim de semana, nem isso. 

“É fome de cachorro vadio” – diz uma transeunte – “A gente, aqui, num tem que comer”. 

“A Janete é que tem sorte! É faxineira. Faz oito horas em duas casas. Leva quatro horas para ir e vir, mas tem com que dar de comer aos filhos.”

Uma assistente social segreda:

“Só ali, são sete filhos carregados de piolhos, com feridas por todo o corpo. A mais velha foi mãe aos treze. Alguns nem vão à escola. Se dermos conhecimento da situação ao Conselho Tutelar, não tarda aí a polícia. E as crianças correm o risco de acabar num asilo de menores.

De um “manifesto” publicado em 2021 extraí este excerto:

“Nós, professores envolvidos em projetos e ações para uma educação democrática e humanizadora, queremos expressar aqui nossas preocupações em relação ao trabalho dos educadores em face do que vem acontecendo, neste momento, em nosso país, na política, na economia e, principalmente, na saúde e na educação.”

Como explicar que os autores desse “manifesto” se mantivessem ancorados em práticas instrucionistas? Já dissera o amigo Nóvoa que a sofisticação do discurso se mantinha alheia a miséria das práticas. Quando esperava que os acadêmicos, se manifestassem, teoricistas apresentavam “recomendações”, há muito tempo, consensuais, mas de inviável concretização em sala de aula:

Criar espaços e estratégias para estimular que estudantes se ajudem mutuamente no aprendizado bem como aprendam a aprender também sem ajuda; valorizar as diferenças étnicas, sociais e culturais e os conhecimentos próprios, planejando os saberes a tratar, orientados pelas necessidades dos educandos; incluir no tempo e currículo escolar práticas que possam apoiar estudantes a “aprender a aprender” e a estudar individual e coletivamente sem mediação de docentes; promover a reorganização do tempo e do espaço escolar tradicional em função de uma proposta pedagógica com foco nas demandas das juventudes, buscando estratégias que fortaleçam o trabalho coletivo e a aprendizagem prática, conectando as propostas curriculares às necessidades de aprendizagem e projetos de interesse dos estudantes; garantir e promover opções variadas de percursos formativos, ao contrário das convencionais ofertas homogêneas.”

O freiriano apelo à coerência era traído pelos fariseus da pedagogia, que se convertiam em obstáculos à humanização da aprendizagem e da educação. E o vosso avô tornara-se um incômodo por questionar o dever de obediência hierárquica e por afirmar que o aquilo que teoricistas chamavam “educação democrática e inovadora” jamais seria possível no contexto de escolas de sala de aula. 

Quem teria educado os combatentes palestinianos? Que educação teriam recebido os combatentes israelitas? Por que se educava bonsais humanos? Para quando a humanização da Educação? Até quando vigoraria um sistema produtor de seres (de)humanos violentos, racistas, misóginos, corruptos?

Até quando permaneceríamos sozinhos em sala de aula?

 

Por: José Pacheco

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