São Paulo, 21 de outubro de 2043
Um vídeo “viralizava” nas redes sociais de outubro de há vinte anos. Nele, um jovenzinho armado de pistola disparava contra a cabeça de uma menina, matando-a. Outros jovens corriam, buscando refúgio. A trágica situação já se tornara rotina de voyeurs. E, por que estarei eu, queridos netos, a evocar tão infausto acontecimento?
A resposta é simples. Há vinte anos, atribuía-se aos autores dos atentados a origem de tresloucados hábitos. Tinham sido objeto de bullying e se vingavam. Sofriam de perturbações mentais. Padeciam de “psicoticismo”. Revoltavam-se por terem reprovado…
Um senhor chamado Eysenck (norte-americano, como é bom de ver) concebeu uma teoria baseada na fisiologia e na genética. Embora fosse behaviorista, afirmava que as diferenças de personalidade resultavam de uma herança genética. Eysenck acreditava que altos níveis de “psicoticismo” – padrão de personalidade tipificado por agressividade e hostilidade interpessoal – estavam ligados ao aumento de psicose e esquizofrenia.
Outras teorias “explicavam“ o insucesso escolar: falta de acompanhamento da família, problemas cognitivos do aluno, falta de livros e de condições de estudo em casa, pobreza extrema, parentes analfabetos… E nada se dizia de razões ligadas ao socioinstitucional.
Isso mesmo: talvez a origem do insucesso escolar e de múltiplas tragédias estivesse nas práticas impostas pelo sistema de ensino. Talvez encontrássemos no trabalho de sala de aula prussiana a causa última. Infelizmente, havia professores cujas “boas práticas” contribuíam para criar uma “cortina de fumaça”, que não deixava ver quanta violência simbólica cabia nos prédios feitos de salas de aula e a que, indevidamente, chamavam “escola”.
Há setenta anos, eu lera Bordieu, Passeron, Giroux e outros sociólogos críticos do sistema. E, já há mais de quarenta anos, eu já escutava o Perrenoud dizer que o fracasso escolar se devia a práticas de professores que não reconheciam as suas dificuldades de ensinagem, encarando o insucesso dos alunos “como a simples consequência de dificuldades de aprendizagem e como a expressão de uma falta ‘objetiva’ de conhecimentos e de competências” (sic).
Para além de vovô babado, o meu bom amigo Celso prendava-nos com uma generosidade sem limites. Nas redes sociais, oferecia-nos reflexões, estórias exemplares, como aquela que nos reencaminhou, no outubro de há vinte anos, acompanhado de um “Uau! Incrível!”. Lede.
“Este é um artigo que precisa de ser repetido: Todas as sextas-feiras à tarde, a professora de Chase pede aos seus alunos que tirem um pedaço de papel e escrevam os nomes de quatro crianças com as quais gostariam de se sentar na semana seguinte.
As crianças sabem que esses pedidos podem ou não ser honrados. Ela também pede aos estudantes que nomeiem um estudante, que acreditem ter sido um cidadão excecional de sala de aula naquela semana. Todos os boletins de voto são submetidos a ela em particular.
E todas as sextas-feiras à tarde, depois de os alunos irem para casa, a professora de Chase tira aqueles pedaços de papel, coloca-os à frente dela e estuda-os. Ela procura padrões.”
Comentei o “post” do meu amigo – os brasileiros amavam anglicanismos; não por acaso, Chase era um termo estadunidense e um nome de mochila escolar… –, esperançoso de que o meu amigo acolhesse o comentário como respeitoso exercício dialético.
Na cartinha de amanhã, vos contarei o sucedido. Mais do que uma proposta de debate, o vosso avô pretendia que acontecesse diálogo fundamentado e fraterno entre dois “avôs babados”.
Por: José Pacheco
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