Santo André de Cabrália, 30 de outubro de 2043
As redes sociais dos idos de vinte contribuíam para criar solidões, mas, também, para intensificar circuitos de comunicação, para estabelecer diálogo. Mensagens fraternas eram trocadas. Como esta, que recebi, no outubro de vinte e três:
“Obrigado, Zé, por transcrever os sentimentos que nós mesmos não sabemos explicar com palavras, apenas sentir. A tecnologia social das “formiguinhas” salvará o micromundo Mirante do Rio Verde, tenho certeza. Bem-vindo! Chegou na hora certa.
Eu li esse texto em prantos. Senti dor, amor, alegria e tristeza, todos ao mesmo tempo. Me sinto e me vejo nessas crianças, nos tornamos um só, pelo espaço tempo de todas manhãs que passamos juntos. Sou aluna, educadora, mãe e criança ao mesmo tempo nesse espaço.”
“Eppur Si Muove”… quatro séculos após Galileu negar a sua teoria heliocentrista, para escapar da condenação de morrer na fogueira, “formiguinhas” inquietas e dedicadas à causa das crianças, rompiam as trevas de novas inquisições, para afirmar a possibilidade de uma nova educação. Essas “formiguinhas” talvez não conhecessem a canção do Zeca, mas agiam em conformidade…
“A formiga no carreiro / vinha em sentido contrário / trepou às tábuas que flutuavam nas águas / e do cimo de uma delas / virou-se para o formigueiro / mudem de rumo / já lá vem outro carreiro.”
Vivíamos um tempo de potencial mudança. Um novo Plano Nacional de Educação era preparado. Melhor dizendo, alguns municípios e estados manifestavam interesse em realizar conferências preparatórias. Outros realizavam num só dia a “desobriga”. Muitos outros passavam ao largo do evento. E a participação direta dos professores estava comprometida, pois os debates eram realizados em tempo de trabalho de chão de escola.
Nos encontros que acompanhei, em 2014 e em 2024, a maior parte do tempo era desperdiçada na aprovação de regimentos, em discursos de políticos em tempo pré-eleitoral e… em crónicos atrasos.
O documento elaborado pelo Fórum Nacional era de razoável qualidade no levantamento de situação e tímido nas propostas. Embora já não estivesse segmentado em vinte metas, continuava demasiado fragmentado. Argumentos se repetiam de eixo para eixo e a divisão em frações comprometia uma análise de caráter sistémico.
Expressões como educação integral e gestão democrática estavam semeadas por todo o texto. Palavras como igualdade e equidade surgiam aqui e ali, mas as escolas permaneciam cativas de um modelo educacional hierárquico e autoritário. Grupos corporativos, partidos e empresas usavam a força que a democracia lhes oferecia para defender interesses particulares e mercantilizar a escola pública.
Ingénuos apelos eram dirigidos ao “sistema de ensino”, para que as escolas elaborassem estratégias para que cada qual e todos usufruíssem de oportunidades de educação e de desenvolvimento integral. Havia quem apelasse ao fortalecimento da equidade, a partir da educação integral.
Bem pregava Frei Tomás! Educação integral só existia na mente de teóricos bem-intencionados, como aqueles que escreviam que: “a educação integral, enquanto conceito orientador, refletido em práticas, incluindo a reorganização da proposta curricular, mostra-se como um caminho concreto para a redução das desigualdades.”
“Concreto? Onde? Em quais escolas” – se pedia o endereço de uma só que fosse, não mo davam.
Ou: “as escolas devem adotar diferentes estratégias, considerando que as pessoas aprendem de formas e em ritmos diferentes.”
Já se sabe que aprendem em ritmos diferentes… em teoria.
Por: José Pacheco
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